segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020
o canto da sereia
Não, não quero um amor para sempre.
Para sempre é muito tempo.
Cansativo.
Aliás, nem precisa ser amor.
Uma relação prazerosa, com afinidades
e uma certa química,
já está de bom tamanho.
Se há algo que o tempo ensina
é que o amor não pode ser um claustro.
Nada que sufoque ou oprima.
já está de bom tamanho.
Se há algo que o tempo ensina
é que o amor não pode ser um claustro.
Nada que sufoque ou oprima.
Ciúmes, apenas na medida certa.
Se as pessoas soubessem o engodo embutido
Se as pessoas soubessem o engodo embutido
no "juntos para sempre", tratariam de se resguardar.
Evitar as manjadas armadilhas da vida à dois.
Ao doce enleio do amor somos atraídos,
como o canto da sereia que ao incauto ilude.
Pois findo o encanto, tudo o que sobra
são os defeitos.
Evitar as manjadas armadilhas da vida à dois.
Ao doce enleio do amor somos atraídos,
como o canto da sereia que ao incauto ilude.
Pois findo o encanto, tudo o que sobra
são os defeitos.
honestidade
Apesar dos pesares,
não obstante a subversão de valores,
é preciso continuar acreditando.
É preciso ter fé, mesmo não crendo.
É preciso estender a mão,
mesmo não confiando.
É preciso ser forte, sabendo-se fraco.
É preciso amar, ainda que ressabiado.
Do contrário, a vida pode se tornar
um inferno maior do que já é.
O mundo não tolera fraqueza, covardia.
Há que ter coragem,
mesmo acuado,
sentindo medo.
Imenso trabalho nos custa a conduta correta.
Pedra por pedra, degrau a degrau,
para construir alguma coisa. Ou coisa alguma.
Labutar anos à fio, sem retorno, reconhecimento,
e o sentimento de uma vida roubada,
eis o legado da honestidade.
domingo, 2 de fevereiro de 2020
selfie da alma
Como bem dizem os poetas e afins,
somos todos atores no teatro da vida.
Protagonistas, mas quase sempre coadjuvantes,
na farsa que se desenrola à revelia de tudo.
De disfarce em disfarce, fundamental não é ser, é parecer.
Não é ter, é aparentar.
Ninguém é bem sucedido no papel de si mesmo.
A selfie da alma exige espessa maquiagem
para disfarçar o que somos.
Feios, horrendos por dentro.
Daí o temor de se mostrar, a necessidade de se resguardar.
O desfile das falsas virtudes é o cimento da vida coletiva.
sábado, 1 de fevereiro de 2020
impermanência
Ser apenas, entretanto, tu mesmo.
Cada pedaço de ti é um todo
que se desintegra.
O mundo é um incessante morrer.
A bondade é relativa, as boas ações impermanentes.
A maldade é a única coisa duradoura.
Temos as coisas sem ter.
Ferida a alma,
às vezes sob disfarces balsâmicos,
a maldade tece sua mortalha sobre tudo.
dar a volta por cima
Há quem diga, a meu desdouro,
que sou devasso.
Que não sou fiel e que gosto de putas.
Seria trágico, se não fosse cômico,
levar à sério tal disparate nos dias de hoje.
Em que o conceito de devassidão e putaria
nunca foi tão elástico.
Ora, não sou santo, nem demônio.
Não sou diferente da grande maioria.
De mais a mais, quem me difama,
tem muito mais a esconder do que eu.
É só uma questão de tempo para tudo
vir à tona.
De certa forma, sou um livro aberto.
Tive minha vida vasculhada de cabo à rabo.
Me vigiaram, me hackearam,
e nada encontraram além do que nunca
foi segredo.
Que gosto de mulher.
Que gosto de sexo.
E hoje em dia, o que eu faço ou deixo de fazer,
não é da conta de ninguém.
A vida segue.
E o que há de tão bom que não tenha lá suas ciladas ?
Cada um cava o seu próprio descaminho.
Uns se ufanam daquilo que não são.
Outros são defenestrados pelo que assumem que são.
Quem é melhor ? Quem é pior ?
No vasto mundo, ninguém está apto a julgar
ninguém.
A atirar a primeira pedra.
O quê, no fim das contas, nos consome
é exatamente o amor
que agoniza face às carências exauridas.
Na procura constante das fantasias
descoladas de seu tempo,
o fragilizado amor cedo ou tarde sucumbe.
Por qualquer motivo, sob qualquer pretexto,
o que era sublime em maldição se transforma.
No fim de tudo, curar-se do mal,
sem ceder à maldade,
é só o que nos permite dar a volta por cima.
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