segunda-feira, 18 de outubro de 2021



Às vezes tudo é uma questão de não abandonar

o barco só porque está fazendo água.

Mesmo porque todo barco faz água.



 

domingo, 17 de outubro de 2021

                                 


                                 a procura


Para Itamir Frantz




À razão da luz que vara preguiçosamente a bruma,

alguém que se desconhece

olha pela janela em busca do que ser,

antes que os vermes o devorem. Conquanto já o devorem.


Já teve tudo o que poderia pretender,

mas, no entanto, nada o satisfaz.

E ao negar o tempo, contra o mundo vasto e desfeito,

ombreia-se à Natureza,

alheia a seus recorrentes e obsidiados dilemas. 


E assim, à vista de seu próprio elemento,

mortifica o velho corpo na ânsia de refrear o tempo.

Firmemente, vive como um zangão

que abdica da colmeia.

A procura, se não de descobrir-se,

ao menos do fim da escuridão.  






quinta-feira, 14 de outubro de 2021

 




Todos tem algo a dizer.

Poucos se dispõe a ouvir.





                           culpa e castigo



 

Eu te amei e consumi nosso amor

até à exaustão.

O niilismo da culpa me sentencia

a viver para sempre como pó.

O coração dissoluto se distrai lambendo 

a memória,

em seu silêncio de seda.




 

terça-feira, 12 de outubro de 2021



Meu pai me ensinou muitas coisas

sem dizer uma palavra.

Dava o exemplo.



 





O que fazer com as gastas palavras ?

Como diz o mago Borges, engano supor 

que para cada coisa existe

uma palavra.

"A vida é fluída e cambiante; a linguagem,

rígida".

De fato, andamos às cegas, atrás de artifícios

retóricos que melhor expressem os sentimentos.

Alguns poucos conseguem.

Por acaso, poetas.


 



                     

             evoé ! sou uma lâmpada queimada

               



Inútil conjecturar,  martirizar-se à toa.

Tudo está como sempre esteve.

Os cânones existenciais são pétreos.

Os mais fortes prevalecem, canibalizam os mais fracos. 

Há que ter astúcia 

para sobreviver, mesmo os fortes sucumbem.

A normalidade doentia nos agarra pelo pescoço.

Todos tem fraquezas, neuroses, taras.

Eu, por exemplo, gosto de ouvir o coração

para não me sentir sozinho.

Consolo estúpido, porém, eu não sou Endimião.   

Descreio das inapeláveis cosmogonias. 

Em compensação, já não me defendo nem me debato, 

prestes a apagar 

como uma lâmpada que queima ao toque no interruptor. 

Pufff, já era. Acabou.

Uma lâmpada queimada é a metáfora da minha vida.  

Evoé !


Prefiro catálogos à livros. São convenientemente

práticos. 

Palavras muitas vezes repetidas caem no vazio. 

Reducionismo, superficialidade, rebaixamento cultural, 

a era digital é uma grande farsa.  

Mas bosta enlatada também vende, acredite.

Desconheço as leis da atração.

Eu sou a fome e o alimento do meu canto. 

De tanto ser sozinho, não preciso 

que ninguém me goste. 

Evoé !


O que eu quero da vida ?

Estou à deriva mas nunca estive tão lúcido.

Acordo de meu amoroso desencanto à sombra

do esquecimento.

A vida empacada em suposições comezinhas.

De repente, consigo me ver como o mundo me vê. 

Mais um perdedor, é claro, mas tudo bem.

Não tenho mais veleidades. Sinto o mundo se fechando, 

mas é bom sentir essa leveza. 

Não decepciono mais ninguém e ainda quebro

o galho, como um velho candeeiro. 

Evoé !









 











 

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