Às vezes tudo é uma questão de não abandonar
o barco só porque está fazendo água.
Mesmo porque todo barco faz água.
a procura
Para Itamir Frantz
À razão da luz que vara preguiçosamente a bruma,
alguém que se desconhece
olha pela janela em busca do que ser,
antes que os vermes o devorem. Conquanto já o devorem.
Já teve tudo o que poderia pretender,
mas, no entanto, nada o satisfaz.
E ao negar o tempo, contra o mundo vasto e desfeito,
ombreia-se à Natureza,
alheia a seus recorrentes e obsidiados dilemas.
E assim, à vista de seu próprio elemento,
mortifica o velho corpo na ânsia de refrear o tempo.
Firmemente, vive como um zangão
que abdica da colmeia.
A procura, se não de descobrir-se,
ao menos do fim da escuridão.
Inútil conjecturar, martirizar-se à toa.
Tudo está como sempre esteve.
Os cânones existenciais são pétreos.
Os mais fortes prevalecem, canibalizam os mais fracos.
Há que ter astúcia
para sobreviver, mesmo os fortes sucumbem.
A normalidade doentia nos agarra pelo pescoço.
Todos tem fraquezas, neuroses, taras.
Eu, por exemplo, gosto de ouvir o coração
para não me sentir sozinho.
Consolo estúpido, porém, eu não sou Endimião.
Descreio das inapeláveis cosmogonias.
Em compensação, já não me defendo nem me debato,
prestes a apagar
como uma lâmpada que queima ao toque no interruptor.
Pufff, já era. Acabou.
Uma lâmpada queimada é a metáfora da minha vida.
Evoé !
Prefiro catálogos à livros. São convenientemente
práticos.
Palavras muitas vezes repetidas caem no vazio.
Reducionismo, superficialidade, rebaixamento cultural,
a era digital é uma grande farsa.
Mas bosta enlatada também vende, acredite.
Desconheço as leis da atração.
Eu sou a fome e o alimento do meu canto.
De tanto ser sozinho, não preciso
que ninguém me goste.
Evoé !
O que eu quero da vida ?
Estou à deriva mas nunca estive tão lúcido.
Acordo de meu amoroso desencanto à sombra
do esquecimento.
A vida empacada em suposições comezinhas.
De repente, consigo me ver como o mundo me vê.
Mais um perdedor, é claro, mas tudo bem.
Não tenho mais veleidades. Sinto o mundo se fechando,
mas é bom sentir essa leveza.
Não decepciono mais ninguém e ainda quebro
o galho, como um velho candeeiro.
Evoé !
a noite eterna a noite eterna chega devagar a vida passa devagar até tudo passar e você de repente acordar sozin...