sábado, 11 de junho de 2022



                                     deslembranças





Na quietude das ruas, as casas estendidas em silêncio dormiam.

Tudo permanecia quieto. Sem calúnias, apenas

um fundo suspiro diante das coisas não reveladas.

Coisas que dormiam em silêncio, em meio as deslembranças

estigmatizadas como sombras ensanguentadas.


São as deslembranças que nos transportam

para o recomeço. Imaginando

uma nova vida fresca e incompreensível.

Para esquecer-se. Passar-se sem um pedido, sem um grito,

como se o coração não soubesse de nada.

Não vibrasse mais.

Como se o corpo que morava ali fosse outro corpo,

fora do corpo. Esmaecido de Sol. 

E que ao depor a paz que remove o amor do peito,

descobriria o sinistro.

Saberia dos mistérios.

Da dor da traição.

Pungente como girassóis em chamas.




 

quinta-feira, 2 de junho de 2022



                      travessia


Foi uma longa travessia.

Cheguei a achar que não conseguiria.

Aliás, às vezes penso que ainda não consegui. 

Chegar à terceira margem.


quarta-feira, 25 de maio de 2022



                        o maior dos enganos





Meu breviário de desatinos fulmina a ideia de querer

sem forte. 

Meus versos semeiam a terra de tijolos. 

Busco os contornos dos vazios, meine nacht ist meine licht. 

A estética do fracasso me anima.

No fundo, o inimigo é quem melhor nos entende.

Não estranhe que uma pessoa que se mostra superior, 

não passe de um embuste.

Tudo aquilo que não amamos ou deixamos de amar 

acaba sendo decorativo, descartável.

Morrer tragicamente dá dignidade a vida, mas não nos redime. 

O mistério impenetrável das coisas é o pó da estrada em que

conhecimento nenhum é suficiente.

Abster-se da ingênua crença no amor, eis o mote.  

Tudo somado, vivi apenas para aprender o óbvio.

Que ninguém é de ninguém, e o maior dos enganos

é achar que ao outro conhece.






  








 

domingo, 15 de maio de 2022



              alguém lá em cima gosta de mim





Não me perdoo por ter amado do jeito

desmazelado que te amei.

Não me perdoo por ter demorado tanto à cair na real.

Não me perdoo por ter me humilhando, 

deixado que me humilhasse.

Ao me expulsar de casa, me pintado de vilão.

Enquanto já se deitava com outro.


Não me perdoo por ter ignorado as evidências.

Ter deixado tua versão prevalecer durante todo esse tempo.

Não me conformo por ter aceitado carregar 

passivamente essa cruz. 

Enquanto você se divertia às minhas custas.


Mas alguém lá em cima gosta de mim

e se encarregou de por tudo em pratos limpos.

Pegou pesado, fez você pagar com juros.

Descanse em paz, se puder.







 




                  Por quem eu sofro





Sofro de borboletas que não ferem ninguém.

Sofro do que punge fundo.

Sofro do aroma que vem de longe.

Sofro de arrepios, rumorejos, gorjeios empassarados

de sol.

Sofro de brisas embaraçadas de luzes matinais.

Sofro de coisas calmas, de silêncios sem porto,

de rostos consumidos por azinhavre. 

Sofro de perdas, incrustações, lápides que a terra a de comer.

Sofro de livros, versos, andorinhas sem escamas.

Sofro de gente comida pelo lodo, anêmonas, espantalhos.

Sofro de coisas que não levam a nada.

Sofro de esconder-me nas palavras para decifrar o que não sei.

Sofro de andar às cegas, sonhos sem prateleiras, 

saudades do que não vivi.

Ah, sim, sofro de insônia, mas isso é o de menos.





 




 



 

 



Sou um camaleão que finge ser eu.



               A vasta extensão de mim

               é um terreno fértil de besteiras. 


Como já diz o jurisconsulto de chão, Manoel de Barros,

seja árvore, ao invés de parede.


             Ninguém faz um poema que preste

             sem conhecer ignomínias e antros.

             Sem fazer do inominado, do insignificante,

             raiz do seu canto.


Poesia é arte não dizer nada, dizendo tudo.

 






               

segunda-feira, 9 de maio de 2022



                     integridade





Meu maior erro foi achar que te conhecia.

Fui além da confiança. 

Mesmo diante de todas as evidências,

dos maiores desaforos, 

nunca duvidei de tua integridade.

Quebrei a cara.

E nem posso te culpar.

Quem manda ser burro!






























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