domingo, 2 de outubro de 2022



                                causa perdida




 

O mundo é uma causa perdida.

Carece de ser reinventado.

Sem usura, sem impostos, sem mentiras.


A vida já parte de premissas erradas.

Crua e dura, a desigualdade vem de berço.

A busca pelo conhecimento é infinita e sem esperança.


O coração devotado, clama por ser enganado.

O amor ignora as trapaças.

A insondável trama conjura os pecados.


Paixões, ódios, mentiras, desenganos, são a sina

da humanidade. 

Toda sorte, adversa ou favorável, é obra do acaso.

O melhor da vida se resume a breves encantos.


 

sábado, 1 de outubro de 2022



                   sempre o mesmo périplo




Vigilantes, olhos famintos nos espreitam.

Loucos, ladrões, pederastas, saindo de prédios,

de bueiros, 

circulando pelas ruas em bandos,

logo, multidões.

Ninguém mais sabe quem é quem.

No mundo dividido entre chefes e cativos,

ricos e pobres, 

os infatigáveis conflitos semeiam eternas

discórdias.

Viver é apenas um hábito de metamorfoses e desditas.

Ninguém é inocente até que se prove o contrário.

Tudo remonta à miséria humana.

De superar-se ou quedar-se

nas vagas da verdade ou da infâmia.

Maior que tudo são as coisas sem nome.

Um punhado de ossos.

O ruído da chuva no telhado de zinco.

As ruínas da tarde.

A luz que refulge no mar.

O vento que encrespa à noite.

O pacto com o acaso. 

Violência e ternura no mesmo gesto.

Ideias que velam quimeras.

Coisas que o amor traz e leva.

Defuntas crenças.

Gente, povo, gado.

Sempre o mesmo périplo. 








 



 



                             duro é o saber





Duro é o teu saber.

Errante como um cometa que se perde

no cosmos.

E que o tempo nunca alcança.

Teus passos numerosos quedam quietos,

bruscamente.

As certezas, com os anos, te deixando.

Salva-te a veneranda velhice

em que a sabedoria, em fuga,

dialoga com os mortos.


 



               a volta por cima




 

No fim do caminho tinha uma ribanceira.

Que exigiu forças que eu não tinha.

Cai, levantei

sacudi a poeira

e dei a volta por cima.

 


                  a vil pecúnia



    

                  


Esse seu jeito de gostar,

que você diz ser amor, 

mas que soa mais como deboche,

confesso, já não sei como lidar.


Por mais que eu tente, 

não consigo conciliar o que sinto 

com esse seu jeito errante, 

sempre condicionado a algum presente, 

para demonstrar o que talvez nem sente.


Estou farto de você não me levar à sério, 

de me fazer de gato e sapato,

pelo fato de eu ser tão dependente 

dos carinhos que anseio feito um tolo adolescente.


Mas, no fundo, a culpa é toda minha. 

Por me negar a ver o que está na cara.

Que o amor que para mim é entrega e devoção, 

para você é simples moeda de troca, 

mera distração. 











 




 



 







 


                        não basta ser cego





Não basta ser cego.

A conversão é lenta e fiduciária.

Panacéias, exorcismos,

incunábulos multiplicam os corredores.

A lucidez é bicho esquivo. 

Nada mais inútil que tentar abrir portas 

trancadas a sete chaves. Lacradas pela ignorância.

Ir contra a correnteza, a conversão por persuasão ou necessidade,

executada à base de florilégios ou no fio da espada.

Rezo provérbios,

disperso e prolixo, 

malhando em ferro frio

e coisas do gênero. 

O gesto tosco,

tortura e desgosto,

ataraxia predadora em que me afundo.


Não basta ser cego.

É preciso não enxergar.

Consolo torpe é ser covarde 

travestido de benfeitor.

Verme por natureza, repugnante até a saciedade,

sujo e penalizado,

a conversão é lenta.

Não é fácil ser ignóbil.

O hábito desfaz o rito.

O membro viril e triste, subverte a lógica.

O desvario de quem só vê uma face da moeda.

Cifras de almas perdidas.

Olhares curiosos perpassam os truísmos.

Os outros que se danem.

O esquecido dura mais.

Quem perdurar, verá. 




quinta-feira, 29 de setembro de 2022



                  o sal da terra




                 

Guardar os axiomas para os dias difíceis, 

eis o sal da terra.

Pensamentos que desmantelam a ordem das coisas

engendram embustes.

Na lenta desagregação de cada dia, perde-se tudo 

em pleno gozo dos prazeres.

Os que se amam e depois se desprezam, são a mesma pessoa.

Não há culpas, apenas lapsos.

Nunca atingimos a justiça absoluta, um bom juiz é aquele

que se coloca no lugar do réu.

O pensar condicionado pelo apego induz a erro. 

No fim das contas, desapegos aparam as arestas.

As coisas só caem no esquecimento quando 

não importam mais.

Conforme mudamos, os juízos mudam. O que era bom 

não presta, não serve mais.

O dedo sujo aponta à esmo.

Às vezes mais vale estar errado.

O mundo esquece facilmente de nós.

O eu abolido está perdido e feliz.

Livre, o arbítrio lima as certezas.

O óbvio eclipsa o juízo. 

O ódio solapa o discernimento.

O tiro pela culatra é a justiça por linhas tortas.

Com frequência, senso e contrasenso contaminam-se.

Tendo esquecido, foi-se a premência.

O louco amor vira tumor.

Não obstante, o final é sempre a libertação.

Raiva, mágoa, não valem um grão da ampulheta.

Nada que um placebo não cure.

Quem se foi, que se vaya con Dios.

Do idílio ao purgatório, num deslizar de dedos.

Pode dar certo um mundo em que um apetrecho

que cabe

na palma da mão, 

faz as vezes do conhecimento humano ?


















 







 

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