segunda-feira, 17 de outubro de 2022



                  diamantes





Quando tudo parece inútil e incerto,

contemplando o inexistente, a vida sem sentido,

sufocado por um sentimento de morte silenciosa.


Quando tudo se repete dia após dia,

e os anos passam sem nada para reter,

nada além de recônditas epifanias. 


Quando a vontade gasta se desprende 

enquanto o irreversível tempo avança, 

e a esperança

destece sua cansada história.


Quando o grave círculo que tudo abarca

completar seu ciclo, e a carne corrompida

remontar aos gozos infernais.


Quando, enfim, se ver envelhecido em meio 

a tantos espelhos e delicados paradigmas,

esquecido do próprio passado.


Quem sabe, então, a rotina, o sonho e os rostos

apagados da memória, se convertam em esplêndidos

e atrozes diamantes.













 

quarta-feira, 12 de outubro de 2022



                  feras domadas





Sob o disfarce da linguagem pueril, não há nada de gratuito 

no que escrevo.

Nenhuma palavra, nenhuma frase, nenhuma construção verbal

que não tenha um propósito.

Que não tenha a ambição, talvez desmesurada,

de trazer à baila aquilo que nos faz humanos : a emoção.


Nada do que escrevo é gratuito, posto que, senão

exatamente vivenciado, garimpado do fundo da alma, 

em conúbio com o coração.

Sou o que escrevo. Invenção mal acabada de mim mesmo.

Professo o imaginário, como um prestidigitador que semeia 

devaneios. 

Meus fracassos e infâmias são feras domadas, caídas ao preço

de tantos tropeços. 

Das quais me penitencio compartilhando meu fado com o mundo.

Perpetuado de ausências.

Extraindo poesia contra o mundo vasto e desfeito.



 



segunda-feira, 10 de outubro de 2022



                 o mundo fede





Caem as certezas,

fica a desconfiança.


Caem as crenças,

ficam as controvérsias. 


Caem as esperanças,

fica o desalento.


Caem as promessas,

fica o descrédito.


Caem as fantasias,

fica a realidade nua e crua.


Caem as verdades,

e as mentiras se perpetuam.


O mundo fede.






 

domingo, 9 de outubro de 2022



                         UM MINUTO





Em um minuto faz-se um poema.

Impressentido, repentino, a elevar-se entre os mistérios

da realidade desfocada.

Urdido nas entranhas daquilo que não se consegue expressar.

Daí sua razão de ser.

Isento de blasfêmia.

Lambendo, se lambuzando de palavras lacanianas.

As pesadas asas tangenciando as incompreensões.

Roçando as raízes encravadas no peito.

Um minuto para que o silêncio se faça perene,

e o coração viciado em dissídios 

renuncie a ilegível insipidez.

Um minuto e já não é amor.

E o poema já não é poema.

Negando aquilo que não cessa. 





sábado, 8 de outubro de 2022



                     o exercício dos sentimentos tortos





O disfarce da aceitação tácita nos exime

da compreensão compulsória. 

As coisas que importam, não se retém.

Esquecemos de tudo rapidamente, nos machucando 

mutuamente.

Desconstruindo o que aprendemos.

Para que os sonhos sejam ao mesmo tempo, desejo 

e repulsa.

O abandono das causas justas precede o exercício

dos sentimentos tortos.

Um minuto basta para fecundar um filho bastardo.

O amor é um conceito que se desaprende com o tempo.

Como a sola gasta de um sapato.









                              beleza





Toda beleza é enganosa.

Como qualquer coisa transitória.

Como qualquer coisa preciosa.

Preciosa porque bela, e ainda mais bela

porque misteriosa. 





                             a liturgia do horror





Quando se vive no inferno, e ao inferno se submete,

ao conflito e a discórdia se habitua, eis que a vida 

não é mais tua.


A anjos grotescos convertido, és quem 

não deveria ter sido.

Quem não queria ser.


O filho bastardo, um pária, um Lázaro 

eventualmente resgatado do sepulcro.

A viver dentro de um cadáver.

Que exclui a presença de Deus,

mas não a liturgia do horror.




 

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