quarta-feira, 15 de março de 2023



                                 sem palavras






No fim, só o que permanece é aquilo

que não se consegue expressar com palavras.

O sentimento absoluto e indefinido 

do que ficou perdido.

O tempo vivido reconstruído dentro de nós,

sem rancores e remorsos vãos.

Os caminhos abandonados, que já não nos pertencem.

As palavras não pronunciadas, trasvestidas de velhos

afetos.

As lembranças que aquecem o coração, na linguagem

muda de paisagens e abafados desejos.

A vida tão pequena que se agiganta,

num mundo interior que preenche todos os vazios.

Feito de cacos e remendos.







segunda-feira, 13 de março de 2023



             a voz




A voz de ninguém exala clarividência.

Ouçamos, pois, a voz de ninguém.

Que exala clarividência.

Já é sabido, palavras não ditas asfixiam.

Aquietam-se, inocentes, povoando de sombras

o insuportável novo.

O olho não deseja mais do que prosseguir

na miséria.

O silêncio goteja o cascalho que reluz 

como ouro de tolo.

Sobre a língua que empala a boca,

algo que ficou entalado

transpassa a esplêndida agonia.

A voz de ninguém fala por nós.









 



               inteligência emocional





Às vezes me faço de bobo.

Às vezes me faço de cego.

Só não consigo dar uma de surdo. 

Muito menos de mudo.

Aí ouço, reajo, e ponho 

a boca no mundo










                  a aureola das virtudes




                

Difícil manter-se íntegro.

Difícil manter-se sóbrio.

Difícil manter-se fiel, limpo.

Difícil, quase impossível, não perder a fé,

ante tantos desatinos, diante de tanta sujeira,

num mundo que soçobra,

forjando vestes, carcomido por vermes,

crivado de lúbricas taras.


Difícil, dificílimo impor-se sem a falsa 

aureola das virtudes.

Difícil não ser hipócrita, diante de tanta hipocrisia.



domingo, 12 de março de 2023



                   ENCURRALADO





Encurralado.        

Sem saída.

Quem nunca se viu à beira do abismo,

sem opções, tudo desmoronando,

sem tábua de salvação ?

Normal. 

É a vida, irmão.

É a vida que em dado momento desgarra,

mostra as garras, pune, sangrando as entranhas do nada.


Quem nunca se perdeu em culpas sem culpa ?

A vida pequena soterrada de causas impossíveis 

e sonhos desfeitos ?

Quem nunca se viu na solidão mais ampla,

em meio aos pensamentos mais sinistros,

sem saber mais quem é quem ?


Ah, se tu soubesse as estranhas alquimias do cérebro. 

O quão confundem, 

ofuscam a visão para as coisas mais simples.

Não há vida sem percalços. 

A existência abandonada se recompõe na gênese de antanho.

Não importa o que digam ou aconteça, somos pontas

do mesmo laço.

Na abundância ou na falta de tudo, o mesmo cansaço,

irmão de luta,

abraça o momento misterioso e profundo.


Nada nos cura do tormento e da angústia.

A não ser reagindo.

Desafiando os estigmas.

A resposta para tudo está em nós mesmos.

Naquilo que queremos, naquilo que deixamos

para trás. 

Esteja certo, após a noite mais escura o sol brilhará.

A vida bêbada e louca te espreita.

Desfruta.

Antes que se veja encurralado.

Sem saída.






















 



                      acordes dissonantes





                           "A arte e o amor devem exprimir, e não explicar" 

                            (Radindranath Tagore/1861-1941)



Se todas as cartas de amor são ridículas, como 

nos assegura o grande poeta lusófono, o que dizer dos 

tresloucados versos escritos 

sob o eflúvios da paixão desenfreada,

inebriados pelos momentos prazerosos

que só o idílio amoroso é capaz de proporcionar ?

Tolos ? Patéticos ? Ridiculamente sublimes ?

Provavelmente isso e muito mais.

Emergidos do fundo d`alma, amálgama de todos 

os sentimentos, 

o discurso amoroso, seja qual for, 

não concebe comedimento ou meias palavras.

Não se importa em ser tolo, patético, ridículo.

Que é exatamente o que o amor é.

Pleno de acordes dissonantes.



















 



 




sábado, 11 de março de 2023



De tudo,

guardo pequenos sonhos,

medíocres anseios,

flores petrificadas à jusante da vida.


Dela, já não há lembranças

que valham a pena lembrar.

A dor esmaeceu, fechei o caderno e lá

ficaram os versos 

que hoje só me causam pesar e vergonha.


De tudo, 

levo comigo uma imensa e profunda

tristeza,

pelo desengano maior e mais atroz

que a vida nos pespegou. 

Um amor com o mais indigno fim.


De tudo, 

nem saudade restou.







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