domingo, 14 de maio de 2023



                                         inventário





O que mais me pesa : não amei o suficiente, nem satisfatoriamente.


Vivi dando murro em ponta de faca e não aprendi.


Nunca soube dançar conforme a música.


Nunca fui sensato, sempre fui de jogar tudo para o alto.


Nunca me aprofundei em nada, a não ser em veleidades.


Meus melhores afetos já morreram e eu nem senti.


O coração arbitrário sempre fez tudo ao contrário.


Escapei de morrer um par de vezes, só Deus sabe por que.


Deixei de sonhar com o que me falta, talvez

porque nada me falta.


Nunca soube o que fazer da minha vida, mas nunca

odiei nem fiz mal a ninguém. A não ser a mim mesmo.


Meu maior desejo é chegar onde tudo recomeça.


De tudo que me lembro, só restaram dois ou três amigos

inesquecíveis. 

O resto é vasto, justo e jubiloso.


Do que se conclui que nada é tão bom

que não se possa abrir mão.


Minhas afeições de nada me valeram, de uma forma ou de outra,

todas me abandonaram.


Valho mais pelo que não fui.


Minha vida sempre foi boa, as agruras nunca passaram

de melodrama barato.


Meu maior erro foi ter nascido.














  

sábado, 13 de maio de 2023



                   desperdício 


Toda vez que cai, levantei.

O mal me fez bem.

Precisei sofrer para ser melhor.

Atirei meu corpo ao mar

e o mar devolveu.

Desperdicei o amor de quem mais me amou

para amar alguém

que sequer merece.


 








 

sexta-feira, 12 de maio de 2023


                        a espera do que não virá





A espera do que não virá é longa.

O que fazer do tempo, ou de nós mesmos,

de todos os falhados, o evolver das coisas,

a brisa da espera afadigada de soprar -  haverá algo 

do rancor antigo nas aflições de hoje ?


A espera do que não virá é infinita.

No desfile dos dias, o aboio das vespertinas ausências

se sobrepõe a todos os clamores.

A solidão veludosa das ruínas em que tudo se encerra

remonta à eloquentes mutismos.

Como alguém que se despede.

Como tudo que flui e o verme corrói.

O amor em pouso doendo na alma.

A espera do que não virá.





domingo, 7 de maio de 2023



                  o maior crime é viver



           


Poucos tem a sorte de Ulisses, cuja mulher-rainha 

manteve-se fiel por longos dez anos.

Fez-se deus de músculos e garras para conjurar

a confusão voraz de ser e não ser humano.

O senso do dever não resolve o teorema do mal 

que faz bem.

O maior crime é viver.

A entrega que não se entrega devora pupilas e pedras

de fugazes castelos.

Sossega, irmão, o mal compensa.

A beleza exasperada induz a tentação que levou o padre

a perdição.

Menininhas sem noção atiçam a carne, no alvoroço

dos desejos sonegados.

Narcisos descontentes amam orgulhos humilhados.

Confuso e autocomplacente, eis o meu fardo.

A parábola das façanhas arbitrárias confunde o amor,

como peixes asfixiados.

O bolor dos desenganos retorna em sebes novas.

Quem me curou das dores de amar não sabe amar.

Todo sonho que não aconteceu dura além de seu termo.

A banalidade da existência é a maior das riquezas.

Gatos e ratos são irmãos que se desconhecem.

É tempo de ignorar as ignorâncias para que possamos

tolerar os ignorantes.

Beatos regam as balsaminas do desespero. Em vão.

O prazer lavada de remorso é tão pouco venerável

quanto a velhice.

De que valem as afeições não correspondidas ?

Não há melhor companhia que um livro e um bom vinho

( no dizer de uma alma velha).


 







sábado, 6 de maio de 2023



Lavo-me da vida

sempre suja.

Esfrego, esfrego e não me limpo

da sujeira que me faz humano.

Desejo, luxúria, usura.


 



Não sou solitário, anti-social.

Sou tão somente seletivo.

E faço gosto que a reciproca 

seja verdadeira. 





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