terça-feira, 19 de março de 2024



                 cuspir ou engolir






Se impossível for, inventemos, ora pois.

Impérios e adultérios insuflam a catapulta.

O colapso iminente agasalha crisálidas temporãs. 

Com quantos quadriláteros se faz um cubículo ?

Calma, tretas desvendam-se a revelia dos fatos.

Guelras e goelas solfejam ante catervas niilistas. 

A pausa dos despautérios levita calcanhares de Aquiles.

O intrépido espantalho saúda a desmemória dos paspalhos.

Parasitas galgam os degraus da sabedoria virtual, expelindo 

proezas em podcasts e em mentorias

regiamente remuneradas.

O universo preciso precisa ser inexato para fazer sentido.

O ato, de fato, não é apenas falho mas caricato.

Na vida como nas urnas eletrônicas, o total apurado nem 

sempre condiz com o resultado.

Tudo o que se refaz, se repete.

Babel cumpre bem seu papel, continuamos não nos entendendo.

Uma coisa é certa : tamoios e timbiras sentiriam vergonha 

de nossa pusilanimidade.

O câncer de Brasília frauda até o diagnóstico.

Bater continência para ladrão, que cagões !

Entre Pirro e Sísifo, fico com Parmênides. Com louvor.

Lanterna à mão, as luzes do entendimento bruxuleiam.

Onde não há provas, planta-se, ora bolas.

Quem nunca atirou a primeira pedra tem o voto de minerva.

Sabedoria popular é aquilo que a gente fala mas não faz.

Não lhes parece que os ministros do supremo vivem 

de molestos seres e pareceres ?

Prisões ilegais, arbitrariedades, pré-julgamentos : tudo

agora é em nome da democracia.

Ou seria a democracia do demo ?

Só nos resta cuspir ou engolir.







  







domingo, 17 de março de 2024




                sofrência





Sofro de mofo, traças, condescendências.

Sofro de incúria e impaciência.

Sofro de tangarás de penacho fino.

Sofro de cativeiros, galhos partidos, pica-paus de goela lisa.

Sofro de lusco-fuscos, conchas de vidro, vespeiros vitelinos.

Sofro de diatribes nativas, bastões argênteos, 

mãos peludas.

Sofro de palavras movediças e adultérios.

Sofro de amar o expresso, convenção de excessos,

distinções que encantam.

Sofro de males verbais, falas sem pausa,

forças arcaicas.

Sofro de ser polemista, atento aos benefícios

dos prazeres vitalícios.

Sofro da sabedoria distante dos oráculos oficiais.

Em desacordo com o efêmero.

Emocionalmente sensível a corações empedernidos.

Daquilo que só se pode evitar por acidente ou 

particularidade.

Revolvendo questões pertinentes.

Pelos quais os hábitos são infundidos.

E a alma persuadida.

Sofro de graciosas desditas, perdões involuntários,

amores-perfeitos isentos de auto-exame.

Sofro de ter nascido. 

Mundano e divino.

Preterido e metafísico.

Inconversável animal.








                                 meus versos, meu inverso





Como aquele que busca o Graal, 

desejo o inusual, 

atributos implícitos e explícitos que se locupletem 

em estrelas, harpas, luas novas, 

patas prateadas de animais,

versos em pedra esculpidos.


Desejo a beleza crispada de flores pendendo

de uma distante escarpa.

A proficiência de um formigueiro ou de uma colmeia.

A placidez de um lago repleto de patos.


Quisera o dom de auscultar os sentimentos imorredouros,

professar a ilesa solicitude sem mérito nem desdouro,

em busca de faróis em mares nevoentos.

Escrever com a intensidade de quem retorna de uma guerra.

Como quem despertou de um coma.

Meus versos, meu inverso.















                   de mãos dadas



Desejos inconfessos trilham abismos de silêncio

e prevaricação. 

O mal que nos perscruta remonta à promoção do prazer.

A luxúria define a oportunidade e a conveniência cria

as circunstâncias.

A mente engendra tramas a fim de justificar-se, para alimentar

suas longas doenças.

Ambição e traição andam de mãos dadas.





sábado, 16 de março de 2024



                     viver é bom





Viver é bom mas melhor ainda 

é ter a si mesmo como mestre.

Para o que der e vier.

Paciente e humilde como um apanhador de centeio.

Capaz de ver, retrover, introver, 

levitar,

abraçar o mundo matizado de estigmas et frutos altivos, 

descobrir o alfabeto das formigas  (como Manuel de Barros),

ter fome de pedras (como Rimbaud),

fazer do inconformismo ponte para convergências,

evadir-se da realidade para substituí-la por outra que se 

contempla, renascida.

Despertar para aquém e além dos roteiros expectantes, 

vagando em vinhas que se embriagam de esperar.

Seguir em frente sem saber para onde ir,

entretido com o precário dom de existir.

Eximir-se de entender, para assim dispensar os porquês.


Viver é bom mas melhor ainda é desfrutar

da prazerosa companhia do amor.

É voar longe,

perscrutar novos horizontes.

Sem nada para justificar.

Leve, solto, livre para viver tudo

sem sair do lugar.





sexta-feira, 15 de março de 2024



                       sobrevida





Me acostumei ao que não tenho.

O que não posso ter se inebria de sonhos eróticos

e cios recentes.

Por todos os poros de mim reverberam 

os desejos insatisfeitos, 

queimando pontes e investindo contra a normalidade

doentia da realidade sem futuro.

Não espero compreender nem ser compreendido.

Não espero convencer nem ser convencido.

Não há entendimento entre os homens.

Vida, vida minha,

já me basta o redemunho em que me vejo lançado.

À beira do abismo debruçado, errando pelo mundo

entre o prazer e a fadiga.

Bom mesmo era ser criança, sem planos nem expectativas.

O coração limpo e aventureiro.

Eu me proclamo melhor do que sou, mas que ninguém

nos ouça.

O que me falta, já esqueci.

Faço dessa minha quase obscuridade um templo grego,

o patíbulo de um mártir, o que eu quiser.

Levo-me para onde possa confabular 

com a insaciabilidade.

Tudo o que me rodeia e me serve 

alimenta os poemas

que me deram uma sobrevida.





















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terça-feira, 12 de março de 2024


                               o sonho dos sonhos





Sonho com solidões ruivas falsamente castas.

Sonho com silêncios mudos que fendem o tempo inaudível.

Sonho com lutas e lutos que assombram as ratazanas históricas.

Sonho com lúgubres responsas misturadas a enfermas mutações.

Sonho com os passos erradios do amor sem dono.

Sonho com paradoxos que enovelam a vida e legitimam

os sufrágios.

Sonho com mendigos abençoados e ricaços debruçando-se 

na ponte dos suicidas.. 

Sonho com paisagens mortas e orfandades entrelaçadas 

de roteiros estanques.

Sonho com mares de ternura e quarteirões de afetos perdidos.

Sonho em respirar, alhures, novos ares.

Sonho todos os sonhos soerguendo-se 

depois de cada queda.


      

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