tiro de misericórdia
De tanto maltratar a consciência, parto do princípio
de que faço jus a meu quinhão de incoerências.
Deixando-me tomar pela quietude das verdades que se bastam,
em que respiram por mim espaços esquecidos.
Consolando o coração partido que regressa à noite
como um animal ferido.
Estou só como o túmulo de um morto, porém,
mais vivo que nunca.
Livre dos conflitos e joguinhos doentios imputados
pelo jugo consentido do amor.
Minhas mãos, calejadas de rudes conquistas, buscam
a semeadura de fomes e sedes candentes.
Você sabe, não há encanto que não acabe.
Não há relação que não se desgaste, e por fim, deteriore.
Não há vontade que não esmoreça.
Não há beleza que perdure.
O amor não é garantia de nada, porque logo acaba,
exigindo sacrifícios
quase sobre-humanos para manter as aparências.
"Não te amo mais. Quero me separar", me disse ela,
calmamente, acabando assim, em poucos segundos,
com uma relação de 18 anos.
Acabando em termos, melhor seria dizer dando
o tiro de misericórdia naquilo que já se arrastava há tempos.
A verdade é que a gente faz de tudo para dar certo,
se sacrifica, representa, mente,
mas quando a insatisfação toma conta do recinto,
traição ou separação é só uma questão de tempo.
Culpa de quem é o que menos importa.
Provavelmente dos dois.
Pelos motivos de sempre.
O amor vive de clichês.