sexta-feira, 26 de julho de 2024

                         


                             confissões impuras


Meu espaço engole o tempo, enquanto a íntima verdade 

destoa da realidade.

Ninguém pode ser muito, sob pena de não ser nada.

Quando se trata de ocultar as coisas, o ignorado

explode sem ônus.

A menos que esteja preparado, abstenha-se

de ser feliz. 

Ontem como hoje, o real e o imaginário prometem

mas não cumprem.

Apagar a memória requer confissões impuras, que afloram

em meio a raiva.

Quem se vê acuado confronta os acordos de paz.

Uma escória vale mais que um estado de imundície. 

O corpo gerido macera raízes expostas, para que 

as paisagens camufladas ofusquem a visão.

Os que desistem litigam em causa própria, em desdouro 

do que não se teve.

Eu e você

Você e eu

provamos o luto do que não morreu.

Por nunca ter sido.



terça-feira, 23 de julho de 2024



                          mea culpa




Não entendo nada de nada da vida.

O que aprendi mal dá para o gasto.

Vivi perdido e com a alma em conflito.

Nem me dei conta de como tudo em volta era bonito.


Fiz e aprontei sem medir consequências.

De certa forma nunca cresci.

Não tive juízo nem maturidade.

Quando a conta chegou, já era tarde.


No geral, nunca fui muito esperto.

Tampouco fiel e honesto.

Não consegui acalmar o espírito inquieto.

Talvez tenha sido esse meu maior pecado.


Sei que é tarde para me redimir.

O que ficou para trás não tem conserto.

Tudo o que almejo é seguir altivo até o fim.

Para que ninguém sinta pena de mim.








 



                                        o pior




O pior da morte

é que a vida continua.


O pior de nascer

é não poder voltar atrás.


O pior de amar

é não estar à altura.


O pior de tudo

é que nunca para de piorar.


O pior de não ter para onde ir

é não ter porque ficar.





domingo, 21 de julho de 2024


                        simbiose




Sou um sonhador que sonha

com a simbiose dos momentos perfeitos.

Como se fosse possível ser mais feliz 

do que eu fui.

Pelos amores que tive.

Pelos filhos que tenho.

Pelo coração humanamente compungido

que a tudo e a todos subsiste.


Passeio pelo tempo sem reparos e remorsos.

O que fiz e o que deixei de fazer

se dissipam sem amargura ou rancor.

Não me resguardo nem me esquivo diante

do que a vida me ensinou.

Aprendi a valorizar as coisas que me fizeram diverso

do que um dia fui,

e que tão longe me levaram.

Longe e predestinado a ser feliz.



sábado, 20 de julho de 2024

                      

                       ventres assassinos



A sutil evocação dos pássaros argui a manhã pressurosa.

No fundo do silêncio jaz o louco, o imponderável.

Enquanto transfigura-se o espaço de todos os dogmas.

Nascemos para ruminar a bomba atômica.

Adrede a órbita cega dos ventres assassinos.

Na vida em construção compreende-se o alcance do abstrato.

Surreal como a poesia de Cesar Vallejo, a inspiração

esmaga os testículos aflitos.

Falar com palavras, ai de mim !

Não há mentira que se sustente para sempre.

Sob a aparência de heroica semelhança, deformidades 

revestem-se de beleza inabitável. 

Para que os papéis se invertam e o mundo

desça das estrelas.








                                 começar de novo



 

Tudo o que finda, de um jeito ou de outro, 

um dia retorna.

Sou o que sou, não me perguntem por que.

Sei que cada instante pode ser o último, mas evito pensar

no inexorável.

Minha fé em Cristo me faz acreditar que sobrevivo

para cumprir tarefas inacabadas. 

Me vejo verdejante, jorrando como uma fonte perdida,

feliz como um bêbado dentro da noite.

Quem sou não importa. Não importa o que passou

nem o que virá. 

Vivo o presente que ergue-se, inocente, para começar

tudo de novo. 

As águas iluminadas se deixam possuir, sedentas.

Assim será a nova vida.

Para colher o que foi esquecido.


Tudo o que finda, de um jeito ou de outro, um dia retorna.

Quando a vontade de chorar chega

e o negro momento do arrependimento arromba

a porta do esquecimento.

O ontem sempre será presente.

Para o ajuste de contas, romper

os calmos vesperais.

As vicissitudes exauridas movem-se em meio

ao gris das fadigas.

Tudo o que finda um dia retorna, quando 

a origem de tudo 

regressa à sua própria origem.






sexta-feira, 19 de julho de 2024

 

                       demência





O frio castiga, o calor fustiga.

Enquanto o povo passa, o frio e o calor

embotam os dias.

Ao meio-dia o boia-fria dorme o sono

dos justos.

A noite ninguém sabe onde tudo começa e termina.

Estagnado no ato, o cortejo das prostitutas inventa

a fundura dos gemidos.

O endiabrado e o ensanguentado se convertem

à luz dos fatos caricatos.

Inversão de valores coabita o nascedouro 

das máquinas sem juízo.

Onde o perdido e o triste abarcam a pontual oratória,

já sem vida, o ovo e o olfato

transformam-se em dinheiro.

O que impede o animal de gozar ?

O gozo espiritual é herege ?

Distrações lunares intercedem a favor dos

anacoretas.

A sede de ignorância é maleável.

Minhas verdades perderam a data de validade.

Nem a tília nem o lilás matam a fome de razão.

A loucura engrandece a demência,

para que a vida afunde, iracunda e banal.





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