domingo, 28 de julho de 2024


                          pense nisso




Fingir que está tudo bem.

Acreditar que as coisas possam melhorar.

Que as pessoas possam mudar.

Ignorar que só te dão valor pelo que podes oferecer.

Supor que há amor e afetos verdadeiros.

É o que a vida requer, em nome da convivência

pacífica, da civilidade, 

e da própria viabilidade das relações.


A vida é um permanente escambo, uma via 

de duas mãos. 

Há que estar consciente de que é dando que se recebe.

Que tudo tem um preço. 

A liberdade é relativa, passa pela nossa capacidade

de negociarmos os termos das demandas existenciais. 


Você sabe,

tudo o que é, podia não ter sido.

Por um detalhezinho qualquer.

Aquela ida ao shopping de bobeira.

Aquele encontro aleatório via redes sociais.

Aquela dose a mais.

Aquela trepada sem camisinha.  

Tudo tem consequências.

Entender essa regrinha básica faz toda a diferença.


Pense nisso.

Depois não adianta chorar pelo leite derramado.







   







sábado, 27 de julho de 2024

                                   

                                    o mal cancerígeno




O que não vês

camufla o mal cancerígeno.

Por onde o fungo expulso fermenta as coisas inacabadas,

garras em riste promulgam o mérito

das leis indigentes.

Outros decidem por nós.

Outros vivem por nós.

Somos meros espectadores da ascensão 

meteórica da ralé.

É o grande milagre do mundo digital.

Em que uns enganam os outros, numa 

grande pirâmide virtual.

Que ninguém sabe onde vai dar.

Eu não danço conforme a música, mas

bem que gostaria.

Para não me sentir tão idiota.

A cultura do lixo pode ser bem elitista.

Há que ter estofo.

Vender o que não existe não é para qualquer um.

Muito menos a ilusão de ficar rico.

Frente ao apelo audiovisual, gosto é o de menos.

Gosta-se por exclusão. 

Tudo está mais aquém e além do que parece.

Mas não me dou por vencido.

O futuro me chama com cara de passado.

Mal comparando, nunca desisti de ser alguém melhor.

Perdoe, amor : nós, poetas, 

somos muito melodramáticos. 






                         causas perdidas





O que nos trouxe até aqui se perdeu 

no fluxo dos enxames.

Fora de nós os interesses em jogo

desmontam o passado.

O que fomos, o que fizemos 

adoece sob a imobilidade das causas perdidas.

O peso sobre os ombros supõe ouvir nereidas.

Aqueles que não sucumbem desistem de si mesmos.

Reduzidos a anelos fúnebres. 


É tempo de amar o impossível.

Entrever no sentimento novo os desejos

sequestrados,

enquanto elefantes sobem nos telhados.

Há que rasgar os manifestos, defenestrar

os incestos,

em prol dos mais ordinários impulsos.

Os planos de redenção remontam a delinquentes

de ofício.

Quando se trata de tirar proveito, é preciso dar

o que a vida pede.

A raiva das línguas faz as honras da casa.

A vontade de fugir se vinga ficando.

Desistir sem sequelas viola a diáspora dos triunfos.

Não há razão para desespero quando a cepa 

do fracasso é a incompreensão.

O enjambement é meu antídoto contra a

mesmice dos enredos.

Desanuviar-me das obrigações é meu ultraleve.

O possível itinerário trânsfuga experimenta 

erros de outra espécie.

Prefiro ficar com os meus, que já conheço.

Agradar todo mundo é a maior das causas perdidas.



 







 




 





sexta-feira, 26 de julho de 2024



                       a verdadeira face





A raiva embute o genoma da verdade.

Quando tudo que está represado, mantido em fogo morno, 

contido, disfarçado, e de repente vem à tona,

você enfim se liberta,

mas também revela sua outra face.

A hedionda face que esconde e com a qual 

se faz passar pelo que não é.


Sim, a raiva pode ser libertadora,

mas no fundo não deixa de exteriorizar 

os seus próprios podres.

A raiva descontrolada e indiscriminada 

aflora o que temos de pior.

Quando nos leva a raspar o fundo do tacho das ofensas, 

e o mais degradante : inventando, invertendo, 

projetando nos outros

nossas próprias mazelas e malignidades.


A raiva, a ira, são parte vital da natureza humana,

e de certa forma inevitáveis.

Inevitáveis e justificáveis, por tratar-se de um sentimento

de proteção e autodefesa.

A própria Bíblia está repleta de passagens sobre 

a ira de Deus.

A diferença está na desordem emocional que estabelece 

o exagero das reações.

Quando a raiva é motivada por ressentimentos, rancor, ódio,

que cegam e nos levam a perder o 

necessário senso de justiça.









"Bem-aventurados os mansos de espírito, porque

é deles o reino dos céus" (Mt 5.5).


                         


                             confissões impuras


Meu espaço engole o tempo, enquanto a íntima verdade 

destoa da realidade.

Ninguém pode ser muito, sob pena de não ser nada.

Quando se trata de ocultar as coisas, o ignorado

explode sem ônus.

A menos que esteja preparado, abstenha-se

de ser feliz. 

Ontem como hoje, o real e o imaginário prometem

mas não cumprem.

Apagar a memória requer confissões impuras, que afloram

em meio a raiva.

Quem se vê acuado confronta os acordos de paz.

Uma escória vale mais que um estado de imundície. 

O corpo gerido macera raízes expostas, para que 

as paisagens camufladas ofusquem a visão.

Os que desistem litigam em causa própria, em desdouro 

do que não se teve.

Eu e você

Você e eu

provamos o luto do que não morreu.

Por nunca ter sido.



terça-feira, 23 de julho de 2024



                          mea culpa




Não entendo nada de nada da vida.

O que aprendi mal dá para o gasto.

Vivi perdido e com a alma em conflito.

Nem me dei conta de como tudo em volta era bonito.


Fiz e aprontei sem medir consequências.

De certa forma nunca cresci.

Não tive juízo nem maturidade.

Quando a conta chegou, já era tarde.


No geral, nunca fui muito esperto.

Tampouco fiel e honesto.

Não consegui acalmar o espírito inquieto.

Talvez tenha sido esse meu maior pecado.


Sei que é tarde para me redimir.

O que ficou para trás não tem conserto.

Tudo o que almejo é seguir altivo até o fim.

Para que ninguém sinta pena de mim.








 



                                        o pior




O pior da morte

é que a vida continua.


O pior de nascer

é não poder voltar atrás.


O pior de amar

é não estar à altura.


O pior de tudo

é que nunca para de piorar.


O pior de não ter para onde ir

é não ter porque ficar.





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                            de mal à pior Dissoluto, o mundo reinventa o seu inferno entre pressurosos prenúncios. As coisas presumidas foge...