sábado, 3 de agosto de 2024



                              a poeira do tempo



Há muitos caminhos

e um só destino. 


                 A poeira do tempo

                 dispersa os enganos.


Porque eu preciso contar o que vi

antes que me esqueça.


                  Velhas pontes.

                  Ruas vazias.

                  Casas abandonadas.

                  Surdos clamores.

                  A vida se desmancha

                  em turvos esgares. 


A beleza que encanta 

é a mesma que corrompe.


                    O pior de tudo é ver

                     e não entender.




                      o mais lindo sentimento


À Benício Berger, meu filho




Monólogos sem eco,

completamente fora de propósito,

pairam como sonhos de ourivesaria.

No relax das colheitas, eis que o amor circundante

urde o mais lindo sentimento

jamais sentido.

Inadvertidamente, como um cão que atravessa a rua apinhada

de carros.

Acalanto de água macia num rio hostil.

Caloroso incenso coalhado de azul.

Parnaso onde o brusco andar se amolda às febres e chagas.

E a própria oquidão espreita a clara inocência

do amor sem lonjura. 


Neste candor que tudo ignora,

me vejo como o avesso de um espelho,

em périplo desorbitado sem plano de fuga.

Quando te estreito nos braços, rebento inesperado

em tempos de crepúsculo,

sinto-me como se jamais fosse morrer.



                          desastres anunciados



Na tarde em farrapos, um homem esquecido precisa dormir.

Um pai desesperado finge silêncios.

Pessoas maldosas engendram ciladas cativantes.

Em meio a doenças que não precisam de cura,

anjos e demônios falam 

a mesma língua.

Há medos mais escuros que o inferno.


Viajo por histórias que cometem suicídio.

Minhas vergonhas tem punhos de renda.

Me perdi em desertos aprazíveis e oásis de arame farpado.

Labirintos que desmontam falsos pesares enrubescem os mortos. 

Há alegria engessada e desastres anunciados 

nesse domingo

de mar sem sol, sexo sem sal, amor que faz mal.


 


sexta-feira, 2 de agosto de 2024


                    incêndios sem fogo





Não temos nada a perder, a não ser tudo.

A não ser que depois de tudo não haja nada.

Não há agora depois do depois.

O que se ganha e o que se perde

sofrem do mesmo mal.

O que aprendemos experimenta qualquer coisa

que morre em incêndios sem fogo.

Acima de becos e de berços, garrafas e vagabundos

se perguntam se ainda vale a pena

bancar o amor.

Enquanto o mundo se acaba, segredos inalcançáveis

se revezam, solícitos.

Nada resiste às enchentes imundas injetadas na veia.

Políticos corruptos e amantes mentirosos jogam

no mesmo time.

Em que você é o otário.

Torcendo e batendo palmas enquanto é enganado.

Pois vá em frente.

Leia a Bíblia, pinte os cabelos, faça tatuagem,

aposte no tigrinho.

A vida é sua e ninguém tem nada com isso.

Vai chegar o dia em que todos serão assim,

otários, sociopatas, prostitutas.

Não há nada a perder quando tudo já está perdido.





terça-feira, 30 de julho de 2024


                não é só uma questão de querer

                         



 

Não se preocupe demais com o amanhã.

Para falar a verdade, nem mesmo com o dia de hoje.

Porque tudo muda tão rápido, e às vezes nem muda,

que não vale a pena gastar fosfato ( como se dizia antigamente )

com o imutável.

O imutável, senão vejamos : as mesmices do dia-a-dia, 

contas, o trânsito cada vez pior, as questões que não se resolvem, 

e por aí afora.

Adianta se desgastar, se irritar, discutir, passar a vida

se debatendo e remoendo coisas e causas perdidas ?

Não, né, mas e por acaso a gente consegue sair dessa roda-viva,

desse círculo vicioso, mesmo sabendo do mal que isso nos faz ?

Mudar de atitude em relação a hábitos, vícios, anos e anos

de condicionamentos nocivos, requer bem mais do que 

força de vontade.

Ficar cara a cara com a morte, talvez.

Ou a percepção de estar no limiar de tudo perder.



 

domingo, 28 de julho de 2024


                          pense nisso




Fingir que está tudo bem.

Acreditar que as coisas possam melhorar.

Que as pessoas possam mudar.

Ignorar que só te dão valor pelo que podes oferecer.

Supor que há amor e afetos verdadeiros.

É o que a vida requer, em nome da convivência

pacífica, da civilidade, 

e da própria viabilidade das relações.


A vida é um permanente escambo, uma via 

de duas mãos. 

Há que estar consciente de que é dando que se recebe.

Que tudo tem um preço. 

A liberdade é relativa, passa pela nossa capacidade

de negociarmos os termos das demandas existenciais. 


Você sabe,

tudo o que é, podia não ter sido.

Por um detalhezinho qualquer.

Aquela ida ao shopping de bobeira.

Aquele encontro aleatório via redes sociais.

Aquela dose a mais.

Aquela trepada sem camisinha.  

Tudo tem consequências.

Entender essa regrinha básica faz toda a diferença.


Pense nisso.

Depois não adianta chorar pelo leite derramado.







   







sábado, 27 de julho de 2024

                                   

                                    o mal cancerígeno




O que não vês

camufla o mal cancerígeno.

Por onde o fungo expulso fermenta as coisas inacabadas,

garras em riste promulgam o mérito

das leis indigentes.

Outros decidem por nós.

Outros vivem por nós.

Somos meros espectadores da ascensão 

meteórica da ralé.

É o grande milagre do mundo digital.

Em que uns enganam os outros, numa 

grande pirâmide virtual.

Que ninguém sabe onde vai dar.

Eu não danço conforme a música, mas

bem que gostaria.

Para não me sentir tão idiota.

A cultura do lixo pode ser bem elitista.

Há que ter estofo.

Vender o que não existe não é para qualquer um.

Muito menos a ilusão de ficar rico.

Frente ao apelo audiovisual, gosto é o de menos.

Gosta-se por exclusão. 

Tudo está mais aquém e além do que parece.

Mas não me dou por vencido.

O futuro me chama com cara de passado.

Mal comparando, nunca desisti de ser alguém melhor.

Perdoe, amor : nós, poetas, 

somos muito melodramáticos. 





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