domingo, 5 de janeiro de 2025


                                          



O que esperar do fim da estrada ?

Que alguém nos espere ? 


           Uma coisa perdida

           não se sabe perdida

           até ser encontrada.


Às vezes um homem bom

precisa fazer coisas ruins.

Sem deixar de ser bom.





                                   viver por viver





Viver por viver é como andar em círculos.

É preciso iludir-se para ser feliz.

A textura das amizades afaga muros transparentes.

Permita-se copiar a alegria das ausências.

Ver-se como um verme é tudo sem ser nada.

Apertado entre paredes, o amor evapora na foz da alma.


Sou um andarilho sem caminhos, tenho asas 

mas não voou.

Lavo a alma sem pressa, da vida já ando farto.

Tudo que anseio é viver sem sobressaltos.

Amando a mesma mulher de sempre.


A tarefa de pensar é desgastante. 

A tarefa de crescer nunca acaba.

Do mesmo ventre saem anjos e demônios.

Realismo mágico refunda a vida, despojada de pele

e nervos.

Melhor que dialogar com sonhos repetidos 

é reconquistar o passado.



 








 

sábado, 4 de janeiro de 2025


                        o rancor do mundo





Não sei explicar as coisas que não sinto.

Indigna é a fé que degenera nos lares.

O corredor que deixa entrever os pátios contem 

os ossos do amanhã.

Algo costuma acontecer quando estamos 

untados de mortes.

Havia um confessionário anacrônico que já não 

me causa dado.

Sinto desprezo pelas pessoas e me desprezo por isso.

A única coisa sem mistérios é a felicidade, porque se justifica

por si só.

A culpa dura enquanto dura o arrependimento.

Dias amarrados à divagações não toleram fronteiras.

Há fatos que não se sujeitam a mediações ou intermediações,

pois neles se fecundam.

O rancor do mundo afia a garra dos abutres.

A história que se desenrola nas sombras acaba nas sombras.

A falta de imaginação livra-nos de dilemas, mas torna

a vida insossa.

O banal retém a verdade mais íntima.

Onde os fragores terrenos empreendem novas jornadas,

o que é finito finda mas não morre.








quarta-feira, 1 de janeiro de 2025




Ano novo.

Momento de recolhimento e reflexão.

Feliz de quem sempre foi amado, 

e soube amar também !




terça-feira, 31 de dezembro de 2024


                   a beleza das entranhas





E assim, 

extinto o encantamento,

a própria beleza torna-se inútil,

e o que se sabia precipita-se no espaço

enclausurado dentro de si.


Se não era o que foi,

talvez o amor devesse percorrer

outros caminhos.

No regaço de sua paz interior,

prosseguir e perseguir 

o ser restituído e decifrado.


Mas facilmente se torna amargo

o jogo repetido da esperança.

As perdas fluem de nossas mãos 

mas não voam.

Porque penaste por amor,

tens garras de veludo e o coração 

ardendo de ternura.

E tendo cumprido a missão de bem amar,

mechas de choro hão de desnudar

a beleza das entranhas,

para que o perdido se desprenda de sua

dolente verdade.








   

                             

                  moinhos de vento





Nuvens cansadas vagam pelo céu indeciso.

Chove ? Faz sol ? Pouco importa.

Redemunhos de sombras galopam com destino opostos.

Pedaços de lucidez forjam a vida itinerante.

Despojos de mim inventam o mundo 

de moinhos de vento.


Envelheci arando o tempo renascido de si mesmo.

O mundo é grande mas nem tanto.

O contrário do contrário reformula os opostos.

Nunca fiz uma seresta à luz da lua, mas tenho lágrimas

de amanhecer nos olhos.

A dor antiga mitiga os lamentos miríficos.

O que sobrevive ao mundo de imundície e miséria ?


Coisas invisíveis preenchem os vazios ( e, eventualmente, 

os bolsos).

Rompe-se o invólucro das façanhas retroativas para a 

continuação da vida que não existe.

Por todos os cantos porejam versos mudos e parábolas

inconclusas.

O tempo porvir é o mesmo que medra gerânios de antanho

e peixes-anzol. 

Gente de cascos nas costas rasteja à margem dos dias,

como se fosse a única alternativa.

À sombra do infinito, como o tanger de uma estrela.

 


domingo, 29 de dezembro de 2024

                         

                           sem endereço, nem destino




  

A vida se liquefaz em brevidades.

Em tudo o que o homem toca, destrói, encanta,

nada mais será como antes.

Quem ousa falar sobre as coisas sem nome, sem endereço,

nem destino ?

Afinal, não há um dia sequer sem deslumbramento e dor.

Quem ousa perscrutar a intimidade das coisas,

diante do eterno conflito entre matéria e espírito ?

Concilia-los requer a sabedoria dos vagalumes, dos monjolos,

dos caminhos "de não sei" das pequenas cidades.


Pois que assim seja a poesia.

Profunda e profusamente entrelaçada 

com o reticente infinito.

Juiz das causas naturais, revirando os caminhos,

esculpindo palavras que deem sentido 

a angustiante aventura de viver.


 

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