CARPE DIEM
Nada mais difícil e desafiador do que lidar com nossos demônios. Nem falo da onipresente legião de psicopatas, sociopatas e degenerados que foge aos padrões comportamentais normais, que tem o demônio como amigo do peito, mas de pessoas normais, como eu e você que me lê, e que por mais que se esforcem,
que sejam tementes a Deus e tudo mais, vira e mexe sucumbem aos ímpetos e impulsos mais baixos e primitivos.
Das pequenas vilanias e pecadilhos, de resto inevitáveis no pega pra capar pela subsistência, aos delitos mais graves, passíveis de repulsa, execração pública e punição, a questão central da humanidade tem transitado entre a resiliência e a permissividade. Ou seja, ao modo como lidamos e tratamos com as transgressões ou mesmo as simples tentações - começando pela que causou a expulsão de Adão e Eva do Paraíso - que se não chegam a ser caso de danação eterna, nem por isso são inofensivas, inconsequentes. O castigo pode demorar, cozinhar em banho maria, mas a hora da verdade, o dia da prestação de contas, geralmente dá as caras antes mesmo de partirmos desta para melhor, corroborando a tese de Sartre de que o inferno é aqui. No que, aliás, acredito piamente.
Faz parte da natureza humana nunca se satisfazer com o que tem.
Por mais que se tenha, por mais que a vida nos sorria e seja camarada, sempre falta alguma coisa, sempre há motivos para reclamar, botar defeito. O que frequentemente nos impede de ver, dar valor e usufruir das dádivas que recebemos. A começar pelo privilégio de gozar de saúde, da companhia de entes queridos, e de poder curtir os momentos prazerosos que daí advém.
Mas, não. Por razões que a própria razão, como diz o estribilho do velho clássico "Aos Pés da Santa Cruz", do grande Orlando Silva, no mais das vezes optamos pelo caminho mais difícil. Mais difícil e espinhoso, como não tardamos a descobrir, pois como reza a máxima lei justa da natureza, que transcende a religiosidade, aqui se faz, aqui se paga.
Mudar esse comportamento doentio e exorcizar os demônios, é o grande desafio que nos consome e atormenta o espírito. Uma busca por respostas que passa pela conscientização e introspecção, que muitos procuram em consultórios de psicólogos e psiquiatras, mas que impele a grande maioria à subterfúgios como a bebida e as drogas, e à própria religião. Que bem ou mal - e apesar de não deixar de ser uma espécie de droga -, é o que tem mantido o mundo mais ou menos habitável.
Habitável, porém, hostil, cruel, e essencialmente injusto. Tanto que sempre primou por colidir e contrastar com os próprios conceitos e crenças que fundamentam nossa precária civilidade. Cânones estes, como todos sabem, erigidos basicamente sub a luz de duas vertentes : o pensamento clássico, calcada em princípios éticos e comportamentais inspirados na cultura helênica; e a doutrinação religiosa, cujo dogmatismo muitas vezes obscuro e sectário tem sido a antítese da racionalidade, na medida em que responsável, juntamente com o fator racial, pelos conflitos e desavenças da humanidade.
Navegar nesses mares turbulentos configura a grande alegoria da vida, cujo sentido ninguém sabe ao certo. A não ser que tudo é efêmero, e como tal, como escreveu o poeta latino Horacio há mais de 2 mil anos: carpe diem, quam minimum credula postero.
Ou seja, demônios à parte, o grande barato é viver a plenitude de cada momento, sem maiores dramas e preocupações demasiadas com o amanhã.