sábado, 3 de agosto de 2024


                          desastres anunciados



Na tarde em farrapos, um homem esquecido precisa dormir.

Um pai desesperado finge silêncios.

Pessoas maldosas engendram ciladas cativantes.

Em meio a doenças que não precisam de cura,

anjos e demônios falam 

a mesma língua.

Há medos mais escuros que o inferno.


Viajo por histórias que cometem suicídio.

Minhas vergonhas tem punhos de renda.

Me perdi em desertos aprazíveis e oásis de arame farpado.

Labirintos que desmontam falsos pesares enrubescem os mortos. 

Há alegria engessada e desastres anunciados 

nesse domingo

de mar sem sol, sexo sem sal, amor que faz mal.


 


sexta-feira, 2 de agosto de 2024


                    incêndios sem fogo





Não temos nada a perder, a não ser tudo.

A não ser que depois de tudo não haja nada.

Não há agora depois do depois.

O que se ganha e o que se perde

sofrem do mesmo mal.

O que aprendemos experimenta qualquer coisa

que morre em incêndios sem fogo.

Acima de becos e de berços, garrafas e vagabundos

se perguntam se ainda vale a pena

bancar o amor.

Enquanto o mundo se acaba, segredos inalcançáveis

se revezam, solícitos.

Nada resiste às enchentes imundas injetadas na veia.

Políticos corruptos e amantes mentirosos jogam

no mesmo time.

Em que você é o otário.

Torcendo e batendo palmas enquanto é enganado.

Pois vá em frente.

Leia a Bíblia, pinte os cabelos, faça tatuagem,

aposte no tigrinho.

A vida é sua e ninguém tem nada com isso.

Vai chegar o dia em que todos serão assim,

otários, sociopatas, prostitutas.

Não há nada a perder quando tudo já está perdido.





terça-feira, 30 de julho de 2024


                não é só uma questão de querer

                         



 

Não se preocupe demais com o amanhã.

Para falar a verdade, nem mesmo com o dia de hoje.

Porque tudo muda tão rápido, e às vezes nem muda,

que não vale a pena gastar fosfato ( como se dizia antigamente )

com o imutável.

O imutável, senão vejamos : as mesmices do dia-a-dia, 

contas, o trânsito cada vez pior, as questões que não se resolvem, 

e por aí afora.

Adianta se desgastar, se irritar, discutir, passar a vida

se debatendo e remoendo coisas e causas perdidas ?

Não, né, mas e por acaso a gente consegue sair dessa roda-viva,

desse círculo vicioso, mesmo sabendo do mal que isso nos faz ?

Mudar de atitude em relação a hábitos, vícios, anos e anos

de condicionamentos nocivos, requer bem mais do que 

força de vontade.

Ficar cara a cara com a morte, talvez.

Ou a percepção de estar no limiar de tudo perder.



 

domingo, 28 de julho de 2024


                          pense nisso




Fingir que está tudo bem.

Acreditar que as coisas possam melhorar.

Que as pessoas possam mudar.

Ignorar que só te dão valor pelo que podes oferecer.

Supor que há amor e afetos verdadeiros.

É o que a vida requer, em nome da convivência

pacífica, da civilidade, 

e da própria viabilidade das relações.


A vida é um permanente escambo, uma via 

de duas mãos. 

Há que estar consciente de que é dando que se recebe.

Que tudo tem um preço. 

A liberdade é relativa, passa pela nossa capacidade

de negociarmos os termos das demandas existenciais. 


Você sabe,

tudo o que é, podia não ter sido.

Por um detalhezinho qualquer.

Aquela ida ao shopping de bobeira.

Aquele encontro aleatório via redes sociais.

Aquela dose a mais.

Aquela trepada sem camisinha.  

Tudo tem consequências.

Entender essa regrinha básica faz toda a diferença.


Pense nisso.

Depois não adianta chorar pelo leite derramado.







   







sábado, 27 de julho de 2024

                                   

                                    o mal cancerígeno




O que não vês

camufla o mal cancerígeno.

Por onde o fungo expulso fermenta as coisas inacabadas,

garras em riste promulgam o mérito

das leis indigentes.

Outros decidem por nós.

Outros vivem por nós.

Somos meros espectadores da ascensão 

meteórica da ralé.

É o grande milagre do mundo digital.

Em que uns enganam os outros, numa 

grande pirâmide virtual.

Que ninguém sabe onde vai dar.

Eu não danço conforme a música, mas

bem que gostaria.

Para não me sentir tão idiota.

A cultura do lixo pode ser bem elitista.

Há que ter estofo.

Vender o que não existe não é para qualquer um.

Muito menos a ilusão de ficar rico.

Frente ao apelo audiovisual, gosto é o de menos.

Gosta-se por exclusão. 

Tudo está mais aquém e além do que parece.

Mas não me dou por vencido.

O futuro me chama com cara de passado.

Mal comparando, nunca desisti de ser alguém melhor.

Perdoe, amor : nós, poetas, 

somos muito melodramáticos. 






                         causas perdidas





O que nos trouxe até aqui se perdeu 

no fluxo dos enxames.

Fora de nós os interesses em jogo

desmontam o passado.

O que fomos, o que fizemos 

adoece sob a imobilidade das causas perdidas.

O peso sobre os ombros supõe ouvir nereidas.

Aqueles que não sucumbem desistem de si mesmos.

Reduzidos a anelos fúnebres. 


É tempo de amar o impossível.

Entrever no sentimento novo os desejos

sequestrados,

enquanto elefantes sobem nos telhados.

Há que rasgar os manifestos, defenestrar

os incestos,

em prol dos mais ordinários impulsos.

Os planos de redenção remontam a delinquentes

de ofício.

Quando se trata de tirar proveito, é preciso dar

o que a vida pede.

A raiva das línguas faz as honras da casa.

A vontade de fugir se vinga ficando.

Desistir sem sequelas viola a diáspora dos triunfos.

Não há razão para desespero quando a cepa 

do fracasso é a incompreensão.

O enjambement é meu antídoto contra a

mesmice dos enredos.

Desanuviar-me das obrigações é meu ultraleve.

O possível itinerário trânsfuga experimenta 

erros de outra espécie.

Prefiro ficar com os meus, que já conheço.

Agradar todo mundo é a maior das causas perdidas.



 







 




 





sexta-feira, 26 de julho de 2024



                       a verdadeira face





A raiva embute o genoma da verdade.

Quando tudo que está represado, mantido em fogo morno, 

contido, disfarçado, e de repente vem à tona,

você enfim se liberta,

mas também revela sua outra face.

A hedionda face que esconde e com a qual 

se faz passar pelo que não é.


Sim, a raiva pode ser libertadora,

mas no fundo não deixa de exteriorizar 

os seus próprios podres.

A raiva descontrolada e indiscriminada 

aflora o que temos de pior.

Quando nos leva a raspar o fundo do tacho das ofensas, 

e o mais degradante : inventando, invertendo, 

projetando nos outros

nossas próprias mazelas e malignidades.


A raiva, a ira, são parte vital da natureza humana,

e de certa forma inevitáveis.

Inevitáveis e justificáveis, por tratar-se de um sentimento

de proteção e autodefesa.

A própria Bíblia está repleta de passagens sobre 

a ira de Deus.

A diferença está na desordem emocional que estabelece 

o exagero das reações.

Quando a raiva é motivada por ressentimentos, rancor, ódio,

que cegam e nos levam a perder o 

necessário senso de justiça.









"Bem-aventurados os mansos de espírito, porque

é deles o reino dos céus" (Mt 5.5).


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