sexta-feira, 31 de janeiro de 2025



                          o quanto sei de mim




Faço do meu papel o lenho da minha cruz. 

Cavalgo unicórnios a passos lentos,

para que o gozo consentido preencha o dom da alma.

O sonho em busca das asas de Pégaso entretece 

o esplendor da vida.

Quem me sonha impõe seu remorso vagamente triste,

antes de se perder no sonho.


O quanto de mim apequena varandas e alpendres

amolda contornos de ourives, a fim de sugar o sol 

pelas frestas.

Há neste gênio cativo a ira sagrada que o gosto 

gentil da claridade acolhe em suas entranhas.

O quanto sei de mim vive alternando a honra e

a vergonha.

Meu espírito errante amontoa molduras e cátedras,

no afã de salvar-me da veneranda velhice. 



segunda-feira, 20 de janeiro de 2025


                            a noite eterna





a noite eterna chega devagar

a vida passa devagar

até tudo passar

e você de repente acordar

sozinho e impotente

sozinho e doente

sozinho e insignificante.


os últimos grãos da ampulheta escoam

em terna volição

a energia fugindo do corpo

o cansaço de tudo alquebrando o espírito

porque tudo resulta inútil

nada mais importa

missão cumprida ou não.


logo tudo terá desaparecido

e você será aos poucos esquecido

como se não tivesse existido

um grande vazio é só o que permanece.



sábado, 18 de janeiro de 2025


                   a vida de merda



A vida de merda não precisa ser necessariamente 

uma merda. 

A menos que deixemos.

A menos que aceitemos a merda toda com que é preciso

lidar, todo santo dia.

A nossa e a dos outros.

Porque é merda para todo o lado.

Nas ruas, no trabalho, nos lares, nos prazeres.

Ninguém está livre de fazer merda. 

É a vocação humana por excelência. 

Ao enveredarmos pelos caminhos das infâmias,

dos egoísmos, das traições.


É fato que toda a graça, todos os prazeres da vida 

em dado momento desgarram,

num banzeiro de desatinos e ignorâncias.

A vida de merda é pródiga em apelos e artifícios,

faz da trapaça e da mentira o seu modus operandi.

A merda é onipresente, onisciente, estamos familiarizados

com ela desde que nascemos.

Os ricos, os poderosos, os famosos, os formosos, todos 

fazem merda.

A diferença é como processamos esse manancial de cagadas

que já nascemos fadados a fazer.

Porque a vida de merda não precisa ser 

necessariamente uma merda.




 

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025



               louco pela vida




Ainda procuro o que perdi pela vida afora.

Ciente de que jamais encontrarei

o que nunca cheguei a ter.


Dos caminhos sem volta que percorri,

doou-me o sol das fantasias

o seu tímido legado.

Quem me dirá o que fui, o que sou ?


No eco longínquo, em algum lugar existe

o gesto alto que me trouxe aqui.

Entre fantasmas e novas paixões,

guio-me

como se a vida nunca fosse acabar.


Meus passos lentos esquecem de quem

eu fui,

para ser outro ainda mais louco

pela vida.




 



                a vertigem do amor




O que me inspira já se apaga.

Jaz inerte no limbo do esquecimento.

Brinca de andorinha, brinda com vinho verde.

Martela o próprio sexo, ruge em cólera silenciosa.

Semeia brasas em camas silentes.

 

O que me inspira já se apaga.

Vielas de flores prostituídas instigam 

os clamores inefáveis.

Meus afetos despertam cadelas no cio.  

Quando nada dá certo, as certezas se exasperam

docemente.


Nada é como a gente quer, mas, eventualmente, 

a vertigem do amor transpassa

as pétalas tóxicas e a dor sem pranto.

A perpetuação do êxtase entoa cantos longínquos,

carregando o peso 

das partidas sem recobrar a consciência.


Desencarnado, o amor é uma causa 

inexoravelmente perdida. 

Revestido de sonhos, embrulhado em patacoadas,

não tarda a desandar como uma tragédia grega.

Fica quem quer, quem tem estômago.

Entorpecidos pelos encantos de Circe, 

deixamo-nos ficar à espera de algum prêmio.


Ah, o que seria de nós, homens, sem as jovens putas 

sem consolo nem vergonha, 

entre todas as mulheres as mais puras, 

posto que sem segredos 

e falsos pudores ?

Fiel à sua natureza espúria, a vida soterrada 

de bom grado entrega-se a luxúria.

Adiante dos orgasmos ignóbeis, o deliberado e 

inconstante desejo à sua maneira sobrevive.


Desesperança é tudo o que nos resta.

O tédio das vigílias faz-se metade anjo, metade

demônio.

A exaustão de viver guarda o plasma múltiplo

das paixões esmaecidas.

Capaz de todos os enganos, à míngua da beleza,

só o que não retorna permanece.

Como volitivas da vertigem do amor.





quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

                     

                   a sabedoria de Trismegisto




"A verdade é imutável em si mesma, e sobrevive a tudo, porém 

em diferentes moradas" (Os Grandes Iniciados/ Édouard Schuré.


Em tudo fadado à passar, algo sempre fica.

O que se ganha e o que se perde funde-se 

para desvendar os segredos dos seres e das coisas.

Um fulgor que é cegueira elude a sabedoria

do Trismegisto.

E assim, que a cura sem remédio anistie a dor antiga.

Que as horas recorram às podas universais.

Que as árvores retornem às florestas ancestrais.

Que nuvens perdoem as perenes fecundidades.

Que os pássaros compreendam o sol dos ardores

crepusculares.

E a futilidade da civilização encontre a paz

dos cemitérios.


Reserve sua bondade para os covardes.

Seja digno de seu troféu.

Não envergonhe as palavras que quebram paradigmas.

Fugas, desencantos, os vícios viciaram-se em ódios secretos.


Antes que tudo se desfaça, que os abismos encantem 

os olhos de quem não vê.

Que a glória de ser não saiba o que sonhou. 

Que os sinos dobrem onde a coragem termina.

Que as águas reguem as pedras que acalantam o sossego.

Largo é o gesto infame que adia a justiça.

Sangram vestes e raízes por um deus morto.


Que o amor não se apoie em bengalas.

Que o negro das trevas cesse na epiderme.

Que o canto da terra permaneça além do tempo.

Que as prisões libertem os inocentes de si mesmo.

Que a salvação da alma se lave de todos os prantos.

Que o insolúvel tubo de ensaio fecunde surpresas in vitro.

Que as fezes recorram as moscas e as latrinas amanheçam 

em cima dos telhados.

Que o dinheiro não corrompa a felicidade.

Que o desejo sem volta bata a sua porta.

Que matar os preconceitos não dê cadeia.


À luz das provações em vigência, que as Escrituras

cumpram o prometido.

Que tudo que faz a vida igual todas as manhãs

seja eterno.

Que o sono dos justos durma em lençóis de linho.

Que a paz não se contente com migalhas.


Quem se acha perdido, que aponte o caminho.

Quem carpe diem não inveja ninguém.

Quem madura temporão replanta brotando.

Quem entende a verdade vive por dentro.












domingo, 5 de janeiro de 2025


                                          



O que esperar do fim da estrada ?

Que alguém nos espere ? 


           Uma coisa perdida

           não se sabe perdida

           até ser encontrada.


Às vezes um homem bom

precisa fazer coisas ruins.

Sem deixar de ser bom.



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