terça-feira, 13 de setembro de 2016


                              PAIXÃO NÃO CORRESPONDIDA


Um dos muitos equívocos que cometi na vida foi querer sem advogado, pensando em ser juiz lá na frente, para dar vazão a um inato senso crítico e de justiça que, presunçosamente, me achava dotado. Levei dois anos para perceber que não tinha nada a ver com o cipoal de leis e regras que precisava levar ao pé da letra, sem direito, ops, a improvisações, por mais obsoleto que já à época me parecia um Código Penal lavrado na década de 40. A ficha caiu quando um professor sentenciou, diante de minha propensão a contestar tudo aquilo : rapaz, já que você é tão idealista, deveria ser jornalista.

Sem fazer ideia da quixotesca empreitada em que me metia, o fato é que segui o douto conselho e encarei os quatro anos para obter o ainda então, valorizado canudo, à época ainda imprescindível para exercer a profissão. Precisei de mais dez anos para descobrir que afora a satisfação pessoal, o glamour, o ofício não era bem o que eu esperava. Basicamente porque não se sobrevive de idealismo, de brisa. 
Com o tempo, fui percebendo que se se bobeasse ia acabar como antigos colegas que depois de 30 e poucos anos de labuta, se aposentavam como qualquer funcionário público, quando não simplesmente descartados, como mero burocrata. No bolso, que é bom, afora o cartão de prata ou relógio de praxe, pouco mais da metade do irrisório salário recebido na ativa.

Bem, longe de mim querer  desaconselhar ou desencorajar os pretendentes à profissão, pois é claro que há aspectos gratificantes que não podem ser desprezados. Vocação é vocação, independe do fator financeiro e eventuais percalços. Vejo muita semelhança entre as carreiras jornalística futebolística, posto que em ambas o sucesso e a fama normalmente estão restritos a uma pequena minoria dotada de genuíno talento e perseverança. Além de uma boa dose de sorte, é claro. Se bem que personalidade, talento, sorte, são atributos básicos para ser bem-sucedido em qualquer profissão.

Isso sob o ponto de vista material, já que em termos de realização pessoal o buraco tende a ser mais embaixo, na medida em que o exercício correto e digno da profissão se sobrepõem à busca de status propriamente dita, em função da condição sine qua non de obediência aos preceitos morais e éticos inerentes ao ofício. Bússola que de resto deveria nortear não só o jornalismo como outras profissões de utilidade pública, mormente políticos, governantes, magistrados e porque não dizer, artistas das artes e dos esportes de um modo geral, vistos como modelos e espelhos pela sociedade.

Naturalmente, há um ônus a pagar pela exposição, notoriedade e fama, atrelado ao conceito que se granjeia ao longo do tempo. Conceito que não deixa de ser um rótulo vinculado ao inevitável escrutínio público, contexto no qual ninguém está rigorosamente imune as consequências de seus atos, sejam jornalistas, celebridades, esportistas ou juízes da Suprema Corte. Pode não parecer e às vezes demorar, mas cedo ou tarde a opinião pública acaba atinando com os embusteiros que proliferam nas redações, gabinetes, palcos e tribunais. 

Na vida pública, vale o mesmo preceito que distingue a mulher honrada : não basta ser honesta, é preciso parecer honesta, ter uma postura condizente. Ou seja, escrever, governar, legislar, atuar com o máximo de lisura e honestidade de propósitos. Atributos básicos e elementares, mas nem por isso fáceis de encontrar em meio ao emaranhado de interesses e objetivos inconfessos que permeiam as relações em geral e as esferas do poder. Telhados de vidro é o que não faltam, mas nem por isso os nefelibatas e farsantes profissionais se deixam intimidar e deixar de agir como se não tivessem culpa no cartório, o rabo preso com alguém um alguma coisa. 

Como jornalista, conheci e convivi com uma penca de personagens similares, e bem poucos correspondem a imagem que a mídia mercantilista e oportunista se esmera em apresentar ao público. O tempo foi passando e, como não sou de fazer vistas grossas e me prostituir nunca chegou a ser uma opção, fui fazer outra coisa na vida. 
Da paixão pelo jornalismo ficaram as mal traçadas que teimo em perpetrar aqui.   


  

    

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