o prazer dos prazeres
Não tenho premência de mais nada.
A melhor parte ficou irremediavelmente
para trás.
O prazer dos prazeres de agora
é degustar.
Na vida desidratada, o menos é mais.
sangrando
Sangremos, pois, ante aqueles que perderam
os filhos, vivos ou mortos.
Sangremos, pois, ante os mendigos que encarnam
as misérias da vida.
Sangremos, pois, ante os aleijados, os cegos de nascença,
os suicidas, que herdaram os pecados do mundo.
Sangremos, pois, ante a desgraça dos desterrados, dos
retirantes e exilados, que morrem longe da pátria-mãe.
Sangremos, pois, ante os dias crivados de fatídicos
enigmas.
Sangremos, pois, ante cada sorriso apagado do rosto
de uma criança.
Sangremos, pois, ante os afetos e amores inconclusos,
e por fim, denegados.
Sangremos, pois, ante as coisas inocentes devoradas
pelo tempo.
Sangremos, pois, ante os machucados pela vida, os quais
a justiça não alcança.
Sangremos, pois, ante o luto dos amanheceres que a morte
não resgata.
Sangremos, pois, ante a natureza massacrada, as rupturas
que (se) partem sem partilhas.
Sangremos, pois, ante as fábulas desmanteladas
pelos torvelinhos do tempo.
Sangremos, sangremos, pois, até o infinito silêncio se
abater sobre o mortal genoma de tudo.
batalhas perdidas
A virtude contra a maldade
A sinceridade contra a falsidade
A força de vontade contra o vício
A dor contra a doença
O perdão contra o ressentimento
A piedade contra o ódio
A força contra a destreza
A verdade contra a mentira
A coragem contra a covardia
A confiança contra a traição
A vontade contra a acomodação
O bom senso contra a ignorância
A esperança contra a descrença
A fé contra a desgraça
A bondade contra a ingratidão
A paz contra a beligerância
O amor contra a violência
O bem contra o mal.
that is the question
O busílis da hora ( that is the question ) é o mesmo
de sempre. Pesa-nos viver na cidade dos homens
mas não farei abluções. Não partirei para a ignorança.
Como contratar um serviço de som para mandar
todo mundo à merda, embora vontade não me falte.
Hoje não ! Meu instante agora é de transpor as miragens
de meu próprio pensamento.
Prometo-me pegar leve ( mas, antes, há que decifra-me).
Se não gostaram ou não me entendem
acenderei lâmpadas, holofotes, archotes.
Porei fogo na canjica, como se dizia antigamente.
Farei graça, cantarei a beleza indizível, tá bom assim ?
Caso contrário, deixemos como está, a grande ocorrência
não vale um dia de paz. Bonifrates não nos faltam.
Esse sentimento de que tudo é precário e frágil
é sempiterno.
A grande questão (that is the question) é, pois,
os bois, dar nome aos bois.
A transcendência do "mito", a ubiquidade do amor,
só pleno quando em conflito,
que bonito !
Não, não é fácil ser coerente, saber quando nossos atos
deixam de ser inocentes
e se tornam dolosos.
Na oquidão do tempo passando, passando...
sina de homens sem rumo, irmãos na arte de cauterizar feridas.
Ó, IRMÃOS, conquistadores sem grandeza,
desbravadores hereges, eu vos saúdo, sóis a essência,
o barro, o esgoto da Criação.
Condescender, só in extremis.
Tanta volta dá o mundo que não espanta que tudo passe,
no ódio-esquecimento que se renova,
atrelados as pequenas
concessões da grande aventura humana.
Atento à passagem do rio que não dá pé,
a monotonia de chumbo,
e ora, pasmem,
a epifania ridícula de ser feliz.
Eis meu coração.
Deponho a respectiva chave.
Nada mais tenho a dar-te.
Além de uma esperança que já não tenho.
e eu nem era gente ainda
Eu era um menino
valente e ladino,
vivia aprontando.
Minha finada mãezinha
dizia que desde o ventre,
não dava sossego.
Chutava adoidado.
Ainda engatinhando,
já dava trabalho.
Só o anjo da guarda explica
ter sobrevivido a tantas travessuras
Como quando meti
a ponta de uma tesoura na tomada,
explodindo o disjuntor, a ponto de derretê-la,
sem nada me acontecer.
Outra vez, um susto maior ainda,
quando, ao literalmente rastejar
no porão da casa,
ressurgi todo ensanguentado
- havia enfiado o rosto num
caco de vidro.
Coberto de sangue, eu apenas ria,
contava minha mãe,
sobre aquele moleque
endiabrado.
Que nunca chorava.
E eu nem era gente ainda...
acredite, amiga
Não chore, amiga, não esmoreça.
Tua luta não será inglória.
Tiveste a má sorte de cair enferma,
Mas no fim hás de cantar vitória !
És tão jovem, tão linda,
Com esse teu ar de eterna menininha.
E no entanto, tão valente ante tal absurdo.
Sem desanimar diante das falsetas do mundo.
Ah, minha amiga, sinto tanto por ti.
Mesmo à distância, em tal desvelo,
Não há nada que eu mais deseje
Que ver o fim desse pesadelo.
Acredite, amiga, amor da minha vida,
Nada acontece por acaso. Teu sofrimento
Não será em vão. Renascerás mais sábia e mais forte,
Neste amor recebido, mais tenaz que a morte.
que belo filho da puta, você, hein ?
Há momentos em que tudo foge ao controle.
Situações em que deixamos de ser nós mesmos.
Em que descemos ao nível mais baixo,
inimaginável.
Em que os princípios, a postura, a dignidade,
o próprio raciocínio lógico,
vão tudo para o vinagre.
Em que nos vemos rastejando,
chafurdando no lodo como as mais vis
criaturas.
Transformados em algo que não somos.
Fazendo coisas que jamais pensávamos.
Monstros, vilões, traidores, adúlteros, prevaricadores,
em suma, a escória humana.
Logo você, tão cioso de seus valores, tão orgulhoso,
pretensamente íntegro,
e no entanto,
tão inseguro, frágil, fraco como todo mundo.
Como aqueles que abominava e discriminava.
No fim das contas, diferente apenas no invólucro.
Que belo filho da puta, você, hein ?
Raros aqueles que são o que são.
Para o bem ou para o mal.
Sem encenação.
Sem enganação.
Se mostrando como realmente são.
Para o que der e vier.
Para que não haja surpresas.
Afinal, o amor não requer perfeição.
Apenas transparência.
Além de tolerância,
paciência,
resiliência,
sapiência,
etc, etc...
desmesurado e falho
Eis que o caminho se estreita,
e o velho corpo que carrego se esgueira
pelas sombras do mundo
que me foi tão contraditório.
Deixando-me sozinho
no limiar da última batalha.
Diante da qual, até por impulso,
nada mais que impulso,
como sempre fiz na vida,
me sinto completo.
Pronto para o último ato.
Repleto deste amor
desmesurado e falho.
conversas esparsas
De tanto esperar por ela,
esqueci o quão ardilosa ela era.
De tanto sufocar o que o coração sente,
o sentir se fez ausente.
A vida não se resume a existir.
Isso até as baratas conseguem.
"Aproveitando que papai passou mal à noite,
aproveitamos para matá-lo." (conversas esparsas)
Tudo o que passa, só passa
quando nada significou.
nua e crua
Quando despertos do sono da vida,
não só de nós, mas do existir humano e ungido,
o acordar para o que somos e não vemos,
premedita o tempo arguido pelos anos.
Ante o paradoxo de ser o ser enrustido
que agasalhamos,
premido pelos pecados e segredos
que os dias escamoteiam,
eis que o efêmero se infere,
como se a vida se fizesse alheia.
E quando, diante dos olhos,
o tempo conjurar os vaticínios,
esgotar-se a permissão para cometer desatinos,
alvíssaras ! Ei-la, enfim, a vida nua e crua,
prenhe de tudo que é solvente e ilusório.
quando, em brios, te insurgirás ?
Do feroz cotidiano,
feito de tintas cruéis e fatais,
emerge a dura realidade
que os telejornais retratam
como se fora uma guerra declarada
- e, provavelmente, o é.
E assim, exalando o nauseabundo odor
de feridas gangrenadas,
a vida segue,
amarga e desesperançada,
com o grito de socorro entalado na garganta.
Ah, meu Brasil lindo e inzoneiro,
não te cansas de ser espoliado ?
Quando, em brios, te insurgirás ?
a noite eterna a noite eterna chega devagar a vida passa devagar até tudo passar e você de repente acordar sozin...