terça-feira, 5 de março de 2019
SOBRE A INTELIGÊNCIA
O grande problema das pessoas que se acham muito inteligentes é a imodéstia. Geralmente porque só elas acham.
As pessoas verdadeiramente inteligentes não carecem de vangloriar-se. São, e pronto.
A inteligência é um dom aprimorado pela capacitação, e referendado pelo discernimento.
Ser inteligente não nos faz superior a ninguém. Às vezes até nos diminui, quando subestimamos os outros e nos arvoramos a adivinhar como são. Inteligência e humildade se locupletam.
Mantenha distância de quem alardeia a própria inteligência. Trata-se de fraude ou de um entojo.
Diferentemente da cultura e erudição, a inteligência não se adquire. Ganha-se.
Inteligência, assim como a beleza, é um negócio tão relativo que às vezes não traz benefício nenhum ao portador. É quando acha que não há ninguém a sua altura.
Não confunda inteligência com malandragem. Como quando, para provar sua tese, a pessoa diz que enquanto você foi uma vez, ela foi e voltou três vezes. É como comparar o coelho e a raposa.
Ninguém é tão inteligente que não cometa erros. Admiti-los, isto sim, é sinal de inteligência.
O fim do amor
não, não é o fim do amor que mais dói.
o fim do amor nem se sente.
Pois morre aos poucos.
Quando se vê, já era.
chega aos poucos, sorrateiro,
o fim do amor.
de inanição, decepção, murcha.
quando se vê,
não se sente mais nada.
não, o fim do amor não dói.
definha, por falta de cuidado,
falhas de caráter.
como uma planta boa
que em terra ruim não vinga.
sofrido, dolorido,
é descobrir que se amava
alguém que não existia.
que se vivia uma farsa.
que um dia, abruptamente,
se descortina.
sem poesia,
sem magia,
sem fantasia.
coerência
Não me cobrem coerência.
Não me peçam comedimento, equilíbrio.
Não esperem de mim o que não posso dar.
Sou o que sou.
Incoerente, instável, impulsivo, e outros bichos mais.
Só não finjo. Não disfarço.
Não finjo que não é dor
a dor que deverasmente sinto.
Não me arvoro em dono da verdade.
Sequer dono da minha verdade sou.
Que muda ao sabor dos sentimentos.
Das mágoas, remorsos, desilusões.
Não choro a mocidade perdida, posto que bem vivida,
mas os sonhos abortados,
os amores fracassados.
Feridas que não cicatrizam.
O tempo fluiu sem dor,
até a evasão de tudo que fazia
a vida valer a pena.
Não, não me cobrem coerência,
comedimento,
agora que tudo é apenas um eco,
e o próprio amor se desconhece e maltrata.
Aspirando o fel e a indiferença daquela que tão bem soube
disfarçar o seu desamor.
A rosa do amor despetalou-se, na memória todavia permanece
o que os olhos não viam.
Em meus versos engastados na desrazão
dos sentidos mutilados,
as angústias sofreadas ardem no estridor de coisas novas.
Bem sei que o findar do meu tempo se aproxima.
Maduramente, repenso meus atos,
e um desejo de ser mais do que sou emerge
em meio ao sofrimento seco,
já sem lágrimas e lamentos.
Esgotada a vontade de amar, esgotou-se tudo.
Ironicamente,
nunca estive tão lúcido.
Porque não são mais os sonhos que me guiam.
Soam vãos meus versos epicuristas.
Giram, a tangenciar a razão.
Compreender deixou de importar.
Pois tudo é enganoso nesse mundo confuso.
Da imperfeição da vida,
nasce o ideal de um viver doce e fluído,
em que só o que faz sentido
é o desconhecimento das coisas e de si próprio.
segunda-feira, 4 de março de 2019
chora menos, quem pode mais
no fim das contas,
tudo se resume ao dinheiro.
amor, amizades, alegrias,
respeito.
tudo em conta,
tudo precificado.
ter ou não ter, eis a questão.
pouco importa ser boa pessoa,
bem intencionado.
o que manda é o larjan.
sem preconceito.
sem cor, credo,
tanto faz a origem.
tanto faz como foi obtido.
se licitamente ou não.
dinheiro é dinheiro,
não compra tudo,
mas faz uma puta diferença.
o feio fica bonito.
o chato, agradável.
o velho sem dinheiro é apenas
um velho.
Com dinheiro, tem lá seu charme.
Um preto duro é apenas um preto duro,
mas com grana, tudo muda de figura.
portas e pernas se abrem,
tudo tem seu preço.
exceto o que não tem valor.
o que perdeu o valor
nesses tempos mercantilizados :
caráter, dignidade, honestidade.
coisas que não podem ser compradas,
posto que gratuitas, genuínas,
ainda que desvalorizadas.
sim, o dinheiro compra tudo.
corrompe, seduz, transforma as pessoas.
raramente para melhor.
pois nunca é suficiente.
quanto mais se tem, mais se quer.
muito mais do que se possa gastar.
e quanto mais se tem, pior se fica.
avareza, arrogância, prepotência,
são prerrogativas dos ricos.
dos poderosos,
cujo padrão poucos fogem.
assim como a sina do pobre,
afeito à humilhação,
privações de toda espécie,
e a servidão mal-disfarçada.
daí a luta insana pelo vil metal.
o vale-tudo pela subsistência.
pois hoje como sempre,
chora menos quem pode mais.
domingo, 3 de março de 2019
A FÓRMULA
Alegrias e tristezas
são como unha e carne.
Não desgrudam, irmãs siamesas.
Vão e voltam, em metódica simetria,
até que atitudes e o tempo rompam o pacto entrelaçado.
E a lei do retorno prevaleça.
Inútil tentar entender o porquê das coisas,
se nem a própria família em comunhão caminha.
Somatória do que não conseguimos entender,
mistura de genes, partículas, esperma,
o DNA nos define.
Ou não ?
Talvez o acaso, os astros, o meio ambiente, falem mais alto.
Ou um pouco de tudo.
A vida é o que é. Decifrá-la é perda de tempo.
Tudo muda muito rapidamente.
A morte ronda, traiçoeira,
mas quem deve morrer, não morre.
Porquê ?
De quantos perigos se livraram os conquistadores
que moldaram a fase da humanidade ?
O que explica a boa sorte dos facínoras
responsáveis por milhões de mortes,
aparentemente sob a guarda de deuses
sanguinários e vingativos ?
A forja da vida não tem lógica.
Ninguém escolhe seu destino, o destino é que nos escolhe.
Para o bem e para o mal.
Tarefas que somos forçados a executar.
Missões que somos obrigados a cumprir.
Por votos de insana obediência cega.
Quem pode se opor a mão pesada de quem julga e sentencia ?
Na grandeza humana embrutecida e falsificada,
só o conhecimento nos redime.
Entre alegrias e tristezas, nunca nos bastamos.
Incautamente, abdicamos dos bens mais preciosos,
o amor, a vida simples, família, amigos.
Nada aquieta o atormentado espírito.
A mão estendida se recolhe quando mais precisamos.
A compaixão não é mais do que um efêmero lampejo.
Os infortúnios alheios nos comovem, mas não nos
tiram da cômoda letargia.
Somos solidários até certo ponto.
Até o nível de nossa perdulária consciência.
Ser feliz, suprimindo-a, eis a fórmula.
O lema dos sociopatas...
terça-feira, 26 de fevereiro de 2019
O COFRE
De me enganar cansei, os grandes planos abortei
Nada do que planejei se concretizou
Nada do que sempre acreditei restou
Certezas nenhuma, só sei que nada sei.
Do que fiz na vida, pouco ou quase nada ficou
Tudo de bom se perdeu, se dispersou.
Tantas coisas relegadas ao sótão da memória
Invioláveis despojos de uma jornada inglória.
Caixas e mais caixas de guardados
Já sem serventia, testemunhas de tempos idos.
De momentos inesquecíveis, de entes queridos
Que serão para sempre lembrados.
Eis o mote. O norte a ser seguido.
Honrar o nome, o legado da família.
Inspirar-se no passado bem vivido
Não deixar o barco à revelia.
Uma parte de mim ainda sofre,
O calvário talvez nunca tenha fim.
Ainda haverá um tempo para mim ?
De achar a chave do cofre ?
Onde jaz não o que perdi, mas o que achei.
Não o que me fez sofrer, mas o que ganhei.
Não aquilo que quis ser, mas aquilo que sou.
Alguém melhor do que fui, que não desertou.
domingo, 24 de fevereiro de 2019
o túmulo do amor
Grandes questões, dúvidas e mais dúvidas
nos afligem.
Dilemas existenciais, uma infinidade de perguntas
sem respostas,
a escancarar nossa imensa ignorância.
Sobre tudo.
Mesmo sobre as coisas mais básicas.
A alegria, a felicidade, do que são feitos ?
Estado de espírito, como se diz ?
Efêmeras, longiperto bailam, zombeteiras.
Dispersas em momentos prazerosos.
Lapsos de tempo na crueza da vida.
A paz, a consciência tranquila como pré-requisitos ?
Nem tanto, nem tanto.
Descomplicar quase sempre é suficiente.
Apenas e simplesmente, relaxar.
Amar.
Namorar.
Viajar.
Ler.
Pescar.
Eventualmente pecar...
Há quem diga que o melhor da vida
ou é pecado ou faz mal.
Seja como for,
em tudo ou nada, muito ou pouco,
a escolha é nossa.
Nem por isso fácil,
Atrelada ao pandemônio dos sentimentos .
Incerta, instável, a felicidade vai e volta.
Às vezes vai e não volta.
Planta delicada, há que cuidar, regar,
ainda assim às vezes nem brota.
Morre antes de nascer.
Posto que a alegria está dentro de nós.
Mora no coração.
O endurecido, ressequido coração,
incapaz de perdoar, de se perdoar.
Que quando à alegria e felicidade se fecha,
Num túmulo do amor se transforma.
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