quinta-feira, 1 de setembro de 2022



                 livro aberto





Essa coisa de não escrever coisa com coisa

é para gente que se não se resolve.

Para quem não sente nem se envolve.

Fleumáticos como a Monalisa. 


Meus versos são simples, sem sofisticação.

Escrevo mais com o coração que com a razão.

Prefiro dar vazão aos sentimentos.

Viver intensamente todos os momentos.


Há quem diga que sou indigesto.

E até mesmo que não presto.

Tudo bem, já me acostumei a ser visto

como uma espécie de bicho do mato.

Meu mal é querer ser um livro aberto.




 

segunda-feira, 29 de agosto de 2022





   


















 


                             ponderações



Há dias em que seria melhor 

nem sair da cama.

De preferência, nos braços 

de quem se ama.


Há situações em que seria melhor

esperar mais um pouco

ou dar uma de louco.


Há momentos em que seria melhor

fingir que não viu,

para não mandar ninguém 

a puta que o pariu ! 





          declaração de princípios

           ( à moda Manuel de Barros )





1. Declaro, para os devidos fins de deveres e direitos, não 

me sentir credor nem devedor de nada que não seja gratuito, 

espontâneo, incondicional.

2. De nada que não possa ser compartilhado, que não tenha 

poros, raízes, penas, entranhas, coração.

3. De nada que não implique em sentimentos corrompidos, 

líquenes, pélagos, nojos, limbos, de resto, o adubo da vida.

4. De nada que não seja decadente, sujo, assombrado, despojado,

que é onde se encontra a sabedoria da indigência.

5. De nada que não tenha reentrâncias, gretas, rachaduras, 

reveladores de arcanos mentais.

6. De nada que não possa ser visto, apalpado, cheirado, degustado,

por motivos óbvios.

7. De nada que não seja habitado por pedras, mendigos, bichos,

que não precisam ser ninguém na vida.

8. De nada que não esteja aberto aos desentendimentos. 

9. De nada que não possa habitar seus próprios desvãos. 

10. De nada que não possa dar concretude à solidão.    

11. De nada que não tenha propensão à escória, que não seja 

sazonal, que não possa dar testemunho das obras de Deus.



     


                         ready-made





O corpo e seus possíveis apelos devora

desejos, cheiros, pontos obscuros clamando por espaço,

para ser visto, triturado.

Na pele, tatuagens ao invés de cicatrizes denunciam o

que a roupa esconde. 

Artifícios despedaçados que saíram de órbita.

Poesia não se explica, explica-se. Tudo se encere 

no modernismo, farrapos da miséria deixam rastros nos antros, 

nos passos cansados da legião de proscritos. 

Ninguém mais vê o óbvio. 

Tudo o que reflui permanece. 

Postulados metafísicos procriam alternativas "apreciáveis e 

duradouras". 

A existência cotidiana aniquilada no ready-made do universo

 se arrastra em jornadas malogradas e fraticidas. 

Jazidas devolutas de ordinária alienação desenterram 

as sementes que não vingaram.

A urgência da conscientização partilha os monólogos

não cumpridos.

A cultura autóctone sem transgressão sucumbe à mediocridade.

Intelectuais de antanho discutem os termos 

de uma rendição honrosa.

 









 

domingo, 28 de agosto de 2022



               a norma vigente



O doentio é a norma vigente.

Banquetes e latifúndios de prazeres no tempo 

em que quase tudo é descartável.

Fracassamos em buscar significados onde os sentidos 

comungam a exuberância perdida.

Desamparo, escombros, ruínas sacrificam o tempo

enovelado em caudalosa agonia.

Para que serve a fúria ? Para que serve um poema ?

O mundo tornou-se estranho sob novas regras fungíveis.

Tão deletérias quanto. O monstruoso e o maldito 

como declaração de princípios.

O preciosismo linguístico não dá conta de tanta vulgata. 

Sem sexo, sem bola, sem vícios, a vida é uma droga.






 



 




Trago rugas no rosto

mas não de tristeza.

Trago marcas no coração

mas não guardo mágoas, rancores.

Sou sozinho mas não sou triste.

Os sentimentos são meu escudo.


 

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