quinta-feira, 22 de setembro de 2022



                                      quando algo vai mal  


   


            



 Quando sonhar é melhor que viver,

algo está errado.

Quando a mentira se sobrepõe a verdade,

algo se corrompeu.

Quando esquecer é preferível a lembrar,

algo se subverteu.

Quando duvidar é melhor que acreditar,

algo dentro de você se quebrou.

Quando perdemos a capacidade de amar,

algo dentro da gente morreu.






                                       conflito de interesses



                              



Uma parte de mim te ama, a outra parte te rejeita. 

Uma parte de mim sente tua falta, a outra te evita.

Uma parte de mim te deseja, a outra se afasta.

Só numa coisa as duas partes concordam : te querem de volta.




 




                    depois do caos, a bagunça





Meu reino por um unicórnio.

Não refuto o contraditório.

Desbabacar é preciso.

Iço a vela, ponho a isca, quem não arrisca não petisca.

Coito interrompido é um pé no saco.

Bípedes implumes catando cavaco, eita ferro !

Tese de maconheiro, não me venha com essa milonga.

Nada me pesa na consciência, esse unicórnio 

que anda de lado, sai de finório, que nada sabe 

nem se esforça.

Que não sabe nem faz acontecer.

O lance está nos desdetalhes.

A carótida está acima ou abaixo da jugular ?

No princípio era o caos, depois veio a bagunça.

Não que isso importe.

Todo esforço para entender o que não se resolve

é perda de tempo.








 




A vida é como rapadura.

Doce mas dura.


 

quarta-feira, 21 de setembro de 2022


                guardador de memórias 

               





Algo sempre nos falta. Pouco é muito, muito é pouco.

Meus pensamentos levo-os à cortejos de triunfos

à prova de fábulas.

Defendo o meu lado, porém o vício de viver 

é danado de bom.

O coração com fundo falso é fértil em expedientes.

Não é culpa minha não ser levado a sério. Ou a sério demais.

Guardador de memórias para as horas difíceis, obedeço 

à distração que queima o fogo, extinta a vontade de ser

mais do que posso.

Meu mundo inundado de sonhos desfeitos anula as virtudes,

você sabe, ninguém é confiável.

A verdade sai pelo ladrão. Sem ser cético nem dogmático,

a cabeça funde : Maniqueu, cuida dos meus. 

Cada um merece o que não tem.

Quanto mais, pior. Quem supre, os desejos defenestra.

A percepção é a argamassa que engendra

as hipóteses. 

Nada justifica abolir o juízo. Senso e contrasenso 

anexam-se e se opõem. 

Há que encontrar um lugar adequado para o ausente.

Porque no fundo, tudo consiste em minorar 

o sofrimento.




 


                        

             cansei de estragar tudo




Eu e essa maldita mania de estragar tudo. 

Nada que faço dá certo.

Meu passado me condena, já viram esse filme ? Ou terá

sido uma novela mexicana ?

Alma de polichinelo, zonzo da vida, cansei de tudo.

De enganar e ser enganado.

Despreparado para o entendimento, deponho os equívocos.

Desconfio de eloquentes manifestações de apreço.

Constato que não esclareço nem convenço.

O oposto de mim quem seria ? O alvo ou o arqueiro ?

A carapuça sabe a quem se destina.

Minha mente invadida de elipses, simetrias, desavergonha

as tripas. 

Num ditoso dia, o terror girou a manopla 

dos signos adversos, 

de tanga, de canga, 

e o memorial de maravilhas repeliu o espetáculo.

Sigo em frente mas já vou avisando : partes pudentas,

partes in partibus

Não vi tudo mas é fácil deduzir.

Grandes mistérios, grandes ignorâncias. 

Isto e aquilo não se resolvem, no máximo se toleram.

De tanto tropeçar em equívocos, aprendi a me foder

sem reclamar. Lamúrias, só in extremis.

Não era para ter sido assim, mas foi. 

O peripatético produzindo mudas, galhos periféricos. 

Menos mal.

Breve o conflito acaba.

Até lá, bato continência para o acaso.


 

terça-feira, 20 de setembro de 2022



                  

                    tremenda chinfra





As luzes do entendimento são refratárias.

Cabeças demais, lucidez de menos.

Tempos bizarros em que tudo se sabe, e nada se sabe.

Sob os auspícios do Grande Irmão digital.

A humanidade reverencia o todo-poderoso-deus-máquina.

Tremenda chinfra, não empresto meus demônios à ninguém.

Websatã saqueia o mundo, aceita um de justis belli causis na veia ?

O futuro saberá o que fazer. Ou não. Pausa para "leros, leros e 

boleros." 

Os corredores se multiplicam, labirintos são águas passadas

sem Borges a guiar-nos.

No que me diz respeito, vivo de álibis.

Minhas parcas virtudes dei-às à guiza de ludibrir

a memória.

Sendo o que fui até não poder mais.

Um Fenix rendido em clitóris, garras afiadas,

ninhos de marimbondos.

Penso no bicho que sou e me vejo com penas, escamas,

chifres. Verme.

Carunchando a madeira

Comendo carne podre.

Parasitando as entranhas da vida.

Meu pacto com o mundo é feito de hipóteses,

truques e máscaras.

A justa razão sempre se desintegra.

O vício de sobreviver tramitando na Navalha de Occan.

Nada substitui o ceticismo.

Um cara ou coroa, talvez.

Acostumemo-nos com adredes e Mitrídates. 

Entre quadrúpedes e salafrários, cumpra-se o propósito.

O lobo pastoreia as ovelhas, e tudo bem.

Os antigos diriam, o labor de pensar onera e não compensa.

Sejamos tangidos, pois !

Mimeses, arquétipos, protótipos.

Todos os danos do saber humano mendigando bom senso,

comendo pelas beiradas.

Cagando apoteoses, panaceias, incunábulos,

enquanto as bibliotecas queimam,

e os livros servem de banquete as traças.

Lanterna à mão, a luz do entendimento bruxuleia

entre o egoísmo e a apatia.

Transige entre o messianismo e o pelangianismo.

A plateia ignora as evidências, mentes fechadas feito ostras.

Só os sábios sabem calar dizendo tudo.

Mas os velhos mestres envelheceram.

Mudaram as coisas, depravaram as palavras.

A nova realeza é o visgo, o vício, a latrina da humanidade.

Meninas prenhes de nibelungos que buscam o apostolado infame.

Pensando bem, tudo não é muito.

Pode até ser pouco.

Quando se vive só para constar. 

O cômputo das ruínas é o catarro das heresias expectantes.

Emboscadas ? Ninguém mais me engana.

Saber não basta, é preciso desfazer, corromper

a ordem reinante.

Não é preciso perder os dedos para manter os anéis.

Não no Brasil.

Risus teneatis, certo Horácio ?

Eleger um notório rufião para voltar ao Poder,

qual o problema ?

O que vale é tudo que se possa desdizer.

Apedrejar e fugir.

O jeito é descabelar o palhaço.

Enxotar a xota.

Bem-aventurado é o silêncio quando falta assunto.

A gangrena estanca a hemorragia, mas mutila.

O entendimento esbarra no quiprocó. 

Consensus omnium aqui cheira a embuste - toda unanimidade

é burra, como se sabe.

Dialética, sim !

Abaixo a retórica, o álibi ubíquo, a farsa

que transforma a culpa em curare.

O conluio em lautas pilantragens e quejandos.

Senão, vejamos : como é possível que isso

esteja acontecendo ?

E a pensar que poderia ter sido tudo diferente,

se os holandeses não tivessem sido expulsos.

Foi quando a cobra comeu o próprio rabo.


    

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