sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023


                        

                    quimeras



Quem sonha não imagina

a vida repuxada de âncoras.

Mãos ferozes girando a manopla dos densos mistérios.

Que movem as dobras do tempo.

Nada se perde ao morrer o plano sem rumo.

Descolado da realidade doentia que sorve as quimeras.

Sem as quais a vida não cheira nem fede. 






                queria dizer que te amo



Queria dizer que te amo.

Não fosse uma expressão tão banalizada.

Que nem se pode mais levar à sério.

Ainda assim, gostaria de dizê-lo. 

Meu coração assim o exige.

Antes que outro o faça.

E eu fique a ver navios.


 

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023




         as lembranças que vale a pena lembrar




 

Quem, nato em círculos sulcados de trilhas e ausências,

onde o amargor do perdido se dilui na impermanência,

as sutilezas da intemporalidade não estranha.

Do irredimível êxtase afasta o cálice.

A força invencível expulsa do Paraiso perpassa 

a palavra amorfa,

para que a brevidade das coisas faça sentido.

A procura de consolo na mumificada e intransferível 

bem-aventurança,

refluem dentro de nós os sentidos embotados

pelo tempo.

Querendo fechar o corpo para o desgosto das despedidas,

não como pedra, mas como a concha ou a noz

que guardam dentro de si

a essência da vida.

As lembranças que vale a pena lembrar.







terça-feira, 21 de fevereiro de 2023



                  caixas pandóricas



É preciso não ser feliz para ser sábio.

Se desfazer dos disfarces com que se confunde.

A quem pensa bem, lhe basta seus constos.

O canto simula as secreções que o corpo segrega.

Narciso distraído pelas amarguras da rua, de onde

vem essa incapacidade de ser além do que convém ?

O amor vence mas não compensa.

Interesses dispersos emboscam paradoxos suspeitos.

Deus lhe dê em dobro tudo que elucubra. 

O que não é de ninguém, não se tem. Corações, por exemplo.

Caixas pandóricas simulam heresias.

A cada outro, quem vai embora fica.

O membro viril também fraqueja.

Em tempos incertos, porcos comem pérolas.

E o truão caga ouro.



 


 

 



                     trabuco velho 




 

Esteja onde eu estiver, ainda estou aqui.

Vão-se os inimigos e ficam as caveiras.

Qualquer coisa é melhor do que as amarguras da amnésia.

O que se esconde atrás do que vejo ilumina 

os desgostos passados.

Nada continuará sendo depois de ter sido.

De todos os lugares em que estive, o melhor 

era inabitável.

Um reino em que só se entra via crucis.

A alma gasta pode ser salva ?

Radical ( e às vezes indispensável ) é arrancar as coisas 

pela raiz.

O que a morte perde por esperar, ganha em certeza.

Isso é básico : não acredite em tudo que lhe dizem,

alguns falam a verdade.

Não descreia em Deus só porque suas preces

não são atendidas.

Não se apegue ao extraviado. 

Uns saem, outros ficam, os que não voltam são os melhores.

A parte contrária é sempre arbitrária.

Eu tento, tu tentas, e não dá em nada. Ambos imprestáveis.

O coração em apuros não sai de cima do muro.

Somos todos dúvida, o diálogo é impossível.

Estados estacionários congregam enigmas.

Sofismas não se decifram, senão não seriam sofismas.

Quanto a mim, desfaço o que digo na prática.

Abrace quem não confia mas não dê as costas.

Entre uma pedrada e uma trepada, alguma dúvida ?

Como diria meu pai, trabuco velho também dá tiro.





















 


                           livre-arbítrio






Para toda solução, há um problema.


              Com a tua ausência, aprendi a me amar.

              Despojos de guerra. 


O medo de te perder 

me impedia de ver 

o que ganharia.


          Amor, porque me trais ?

        Eu não traio, meu bem.

        Eu subtraio. 


É possível, mas totalmente improvável.

Eu deixar de ser otário.


           Alguém me explique : o interior é anterior

           ao exterior para o que o posterior prevaleça ?


            O prodigioso saber humano

            só é comparável 

            a sua prodigiosa ignorância.


A mínima disposição

é melhor que nenhuma, certo ?


         O alvitre é livre.

            Já o arbítrio, nem tanto.


Dilema pós-moderno : ser corno com ela

ou infeliz sem ela ?







segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023


                         verdades sem caminho





As coisas se repetem.

A provisoriedade de tudo se renova, negando-se a olhar 

para trás.

Diante de nós, o insubornável mantém a promessa 

ao quebra-la.

Os ritos diários são feitos de coisas inacabadas.

Anônimos esforços tramitam os beirais da submissão.

Nada termina antes de retornar ao começo.

Como pedras que desmoronam sem sair do lugar.

Na impossibilidade de reverter os fatos, o novo tece

sua trama de verdades sem caminhos.

Entre tantas hipóteses, nada é garantido.

Somente a mente e o pensamento perfuram o vazio

imperturbável da vida. 





  

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