terça-feira, 26 de setembro de 2023


                                      

                             santa loucura





Longa vida aos súditos.

Bendito tu que de esperanças se insurges.

O que perdes ganhas em humana penitência.

Não sois mais que a derradeira Bastilha de findar infindo.

A sorte, trevosa e cambiante companheira, abrange

todos os cantos e recantos que se enlaçam sobre 

os clamores.

Ave, companheira imemorial e soberana do sem-fim.

Teus apelos e gritos roucos perpassam as imposturas

que deslindam a morte do futuro.

A força de teu ventre floresce na alquimia das entranhas.

Para que a santa loucura um dia faça sentido.

E o tempo a ignorância conjure.



segunda-feira, 25 de setembro de 2023



        poema sem porto





O nosso silêncio me aproxima do que ignoro.

Os pensamentos envoltos em trapos

afastam uma grandeza pensada que morre comigo.

O mistério antigo e forte fala por mim e por nós.

Meu poema sem porto constela crimes hediondos.

Ausências que maltratam a consciência evolam o amor 

incapaz de suprir.

Porque o clamor do luto e dos segredos corrói as entranhas.

A memória de um morto se interpõe a mudez do Gólgota

que ilumina os dias.

Não há ninguém que não sofra por um filho ingrato.




domingo, 24 de setembro de 2023


                                        o elixir dos deuses


 




Que dia maravilhoso !

Louvado seja o Senhor pelo privilégio de poder

desfrutar desse elixir dos deuses.

Comungar com a natureza em sua plenitude.

De posse de minhas faculdades mentais, com saúde, 

disposição. 

O que mais poderia querer da vida ?

Dias mais alegres ?

Mais fartos ?

Mais glamourosos ?

Dias mais gloriosos, como no esplendor da juventude,

no apogeu maturidade ?

Sim, talvez houvera dias mais memoráveis 

que esse domingo atipicamente quente,

de fim de inverno.

Mas, seguramente, nenhum em que me senti

tão gratificado por tudo que a vida me proporcionou,

e que ainda proporciona.

Sem me sentir credor nem devedor de nada, 

apenas

e tão somente

em paz comigo mesmo.



 



sábado, 16 de setembro de 2023



                 maldição




Talvez eu seja alguém que desconheço.

Talvez eu seja um arremedo de mim mesmo.

Talvez eu não sirva para nada.

Talvez eu seja mal-amado, abandonado por dentro

e por fora.

Talvez eu seja um pobre diabo de bom coração.

Talvez eu seja minha maldição.

Talvez eu seja um menino que nunca cresceu.

Talvez eu nem tenha nascido.



domingo, 10 de setembro de 2023




O tempo passa depressa, enquanto 

a vida encurta.  

Chegará o dia em que a lembrança

e o esquecimento se fundirão,

para nos reconciliar com quem amamos 

e quem fomos um dia.

A existência sucateada renuncia à onipotência

dos desejos abortados.

 

Sou como tu, irmão.

Narciso ao avesso num mar de contradições.

Buscando uma via segura na vida recheada

de agruras.

Procurando verdades na imensa teia dos dogmas.

Aguardando que as adversidades

se desfaçam no muro das lamentações. 

Cavando abismos, queimando pontes, sabotando todo

esforço que purifica os fracassos.


Assim tudo começa e termina. 

Irmanados no desejo e na carência.

Treinados para a violência e o conflito.

Sem nunca transcender o inaudito.

Melhor não saber o que está escrito.






















sábado, 9 de setembro de 2023



                                    enganos






Os enganos se perpetuam no âmbito das palavras.

As mãos que se procuram se convertem em garras.

As afeições se consomem como plantas fraticidas,

devorando-se em sais de discórdia e covardia.

O que tu sentes e tu queres se cala, para que a ilusão

do encanto não acabe.


O engano é a verdade que joga com palavras inexatas,

feito de abandonos e ansiedades vãs.

O que nos é invisível é a podridão que liga 

o paraíso ao inferno.

A evasão do amor.

O motim dos sentimentos.

Adeuses sempre adiados.


O engano é o espaço onde tudo de bom e de ruim acontece.

A juventude embriagada de santa rebeldia.

As pantomimas dos conflitos domésticos.

O rancor dissimulado das relações exauridas.

O tempo submerso em tristezas glaciais.

Os desenganos compondo abismos inocentes.


O engano não se resolve.

O engano nada na lama,  

planta portas clandestinas

sob finos devaneios,

rasga o sudário que veste o medo do inferno,

provê a falta de aptidão para o duradouro.

O engano é a luz escura do sol, o descompasso 

dos acordos velados, o jardim maduro de desesperanças.


O engano trama para além do engano,

faz-se constante até ser permanente.

Como quem esfrega os ladrilhos do claustro.

Eleva-se com inefável paciência sobre o mundo repartido.

Sem qualquer dor de consciência.

O engano vive de enganos.

Se alimenta da própria carne.

Andeja entre mágoas insepultas e promessas descumpridas.

Para que se cumpra o nobre pacto

entre a verdade e a mentira.






 



quinta-feira, 7 de setembro de 2023




                       o sono eterno





Os ruídos da cidade grande já não me incomodam.

Me incomoda mais o silêncio da madrugada.

Sutilmente ruidoso.

As confabulações dos supremos desconsolos.

O drama das sarjetas insones.

As dúvidas crucificadas.

A banalidade da existência suspensa sobre a vida

tormentosa.

As memórias já retiradas do mundo.

O crepitar das veredas molhadas de orvalho.

O hálito da bruma marítima impregnada de maresia.

As sementes moídas do passar dos anos.

Os recomeços caiados de conflitos incuráveis.

O sangue dos rios afogados entre as correntes do mar.

As lágrimas de tudo que se faz ausente.

As raízes dos caules do sofrimento sem culpa.

As vagas de recifes castigados de puro sacrifício.

As ruas poeirentas dos subúrbios.  

O mundo enigmático dos quintais.

Os caminhos esquecidos, as amarguras do espírito,

o pão, o fruto, a paz 

que a noite agasalha

no sono eterno.





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