enganos
Os enganos se perpetuam no âmbito das palavras.
As mãos que se procuram se convertem em garras.
As afeições se consomem como plantas fraticidas,
devorando-se em sais de discórdia e covardia.
O que tu sentes e tu queres se cala, para que a ilusão
do encanto não acabe.
O engano é a verdade que joga com palavras inexatas,
feito de abandonos e ansiedades vãs.
O que nos é invisível é a podridão que liga
o paraíso ao inferno.
A evasão do amor.
O motim dos sentimentos.
Adeuses sempre adiados.
O engano é o espaço onde tudo de bom e de ruim acontece.
A juventude embriagada de santa rebeldia.
As pantomimas dos conflitos domésticos.
O rancor dissimulado das relações exauridas.
O tempo submerso em tristezas glaciais.
Os desenganos compondo abismos inocentes.
O engano não se resolve.
O engano nada na lama,
planta portas clandestinas
sob finos devaneios,
rasga o sudário que veste o medo do inferno,
provê a falta de aptidão para o duradouro.
O engano é a luz escura do sol, o descompasso
dos acordos velados, o jardim maduro de desesperanças.
O engano trama para além do engano,
faz-se constante até ser permanente.
Como quem esfrega os ladrilhos do claustro.
Eleva-se com inefável paciência sobre o mundo repartido.
Sem qualquer dor de consciência.
O engano vive de enganos.
Se alimenta da própria carne.
Andeja entre mágoas insepultas e promessas descumpridas.
Para que se cumpra o nobre pacto
entre a verdade e a mentira.