domingo, 1 de outubro de 2023



                       o frágil equilíbrio das coisas





O frágil equilíbrio das coisas é o grande milagre

que se perpetua.

Calmaria e loucura convivem em perfeita harmonia.

Não obstante ser mais fácil odiar do que amar,

a vida só vale a pena enquanto o amor perdura.

Digo-o, hoje, mesmo tendo todos os motivos

do mundo para maldizê-lo.

Mas eis que o tempo reestabelece o frágil equilíbrio das coisas. 

Porque nessa vida o efêmero deflora os lirismos ingênuos,

e aniquila os sentimentos,

até aprendermos a viver sem depender deles.

Calmaria e loucura, tudo a seu devido tempo.

A vida é sábia. Nós é que complicamos. 

Estragamos tudo. 

Para só então aprender.

  




 



  


 




                       entre dois tempos




Há um muro invisível entre nós.

O nosso jeito de pensar têm muitas linguagens.

Tão perto e tão longe dos enredos sonhados.

De tudo há de surgir um entendimento duro.

Ainda que inventando o que não existe.

O afeto vulgar e triste emparedado entre dois tempos.

Construindo e desmanchando, continuamos 

porque não podemos senão continuar.

Porque não há mais para onde ir.

Nascemos um para o outro.




sexta-feira, 29 de setembro de 2023



                              à imagem e semelhança





Aconteça o que acontecer, nada fará mudar

o velho mundo sem nexo.

Eternamente fiel ao caos do qual resultou.

No espaço que nos cabe, a existência anda por um fio.

No fio da navalha, o desconhecido e o ignorado dançam 

conforme a música.

O agora não suporta o tempo desperdiçado.

Quando o amanhã se tornar presente talvez já seja tarde.

O contentamento afugenta a maldade, talvez por isso

dure pouco.

Afeto e fidelidade dormem em quartos separados.

Por pior que seja, o presente vale mais que o passado.

Toda crença corre o risco de ser verdade.

O que o dinheiro não compra, suborna.

Os pequenos são os maiores, de trás para frente.

O que é guardado não é compartilhado. 

Já passei da idade de ser feliz, mas continuo tentando.

A vantagem é que me contento com pouco.

Um  amor de segunda mão é melhor que nenhum. Ou não ?

O que me falta é intenso e danado.

Lendo, nunca aprendi nada.

Escrevendo, ganhei uma segunda vida.

Com preces e juntos, vamos longe.

A excitação vem de mansinho, ainda sinto saudades

do teu carinho.

Dizem que o amor não tem idade, e nem juízo, 

mas sem tesão não sobrevive.

Reminiscências fora de hora, baita bola fora.

De tão magro, lhe deram o apelido de "pouca sombra".

Afinal, a alma é ou não imortal ?

Queria poder responder, mas não tenho pressa.

Fraco e desonesto, fui posto porta à fora do sucesso.

Por inúmeros motivos, renasço todos os dias.

O problema talvez consista em descer ao invés de subir.

Desnudar as coisas é melhor do que viver de aparências.

Sou feito mais de lama do que de sangue.

Meu coração tresloucado parece embriagado.

Tudo faz do tempo restos que cheiram a naftalina.

O velho mundo sem nexo não passa de um fóssil

à imagem e semelhança

de quem o criou.























 




terça-feira, 26 de setembro de 2023


                                      

                             santa loucura





Longa vida aos súditos.

Bendito tu que de esperanças se insurges.

O que perdes ganhas em humana penitência.

Não sois mais que a derradeira Bastilha de findar infindo.

A sorte, trevosa e cambiante companheira, abrange

todos os cantos e recantos que se enlaçam sobre 

os clamores.

Ave, companheira imemorial e soberana do sem-fim.

Teus apelos e gritos roucos perpassam as imposturas

que deslindam a morte do futuro.

A força de teu ventre floresce na alquimia das entranhas.

Para que a santa loucura um dia faça sentido.

E o tempo a ignorância conjure.



segunda-feira, 25 de setembro de 2023



        poema sem porto





O nosso silêncio me aproxima do que ignoro.

Os pensamentos envoltos em trapos

afastam uma grandeza pensada que morre comigo.

O mistério antigo e forte fala por mim e por nós.

Meu poema sem porto constela crimes hediondos.

Ausências que maltratam a consciência evolam o amor 

incapaz de suprir.

Porque o clamor do luto e dos segredos corrói as entranhas.

A memória de um morto se interpõe a mudez do Gólgota

que ilumina os dias.

Não há ninguém que não sofra por um filho ingrato.




domingo, 24 de setembro de 2023


                                        o elixir dos deuses


 




Que dia maravilhoso !

Que privilégio poder desfrutar desse elixir dos deuses.

Comungar com a natureza em sua plenitude.

De posse de minhas faculdades mentais, com saúde, 

disposição. 

O que mais poderia querer da vida ?

Dias mais alegres ?

Mais fartos ?

Mais glamourosos ?

Dias mais gloriosos, como no esplendor da juventude,

no apogeu maturidade ?

Sim, talvez houvera dias mais memoráveis 

que esse domingo atipicamente quente,

de fim de inverno.

Mas, seguramente, nenhum em que me senti

tão gratificado por tudo que a vida me proporcionou,

e que ainda proporciona.

Sem me sentir credor nem devedor de nada, 

apenas

e tão somente

em paz comigo mesmo.



 



sábado, 16 de setembro de 2023



                 maldição




Talvez eu seja alguém que desconheço.

Talvez eu seja um arremedo de mim mesmo.

Talvez eu não sirva para nada.

Talvez eu seja mal-amado, abandonado por dentro

e por fora.

Talvez eu seja um pobre diabo de bom coração.

Talvez eu seja minha maldição.

Talvez eu seja um menino que nunca cresceu.

Talvez eu nem tenha nascido.



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