sábado, 16 de dezembro de 2023



                   as coisas sem nome





O que aconteceu é tarefa já cumprida.

O presente se revela e se mascara de silêncios homicidas.

Descobre-se o mito que não tarda em desfazer-se.

Alegres e aflitos, matamos a esperança a

fim de engendrar novos inícios.

Crivados de enigmas e artifícios.

O equilíbrio do mundo rejeita a hipótese da inocência

sem culpa.

O indecifrável compreende a eternidade das coisas sem nome.


Quem dera a beatitude da luz que se derrama nos vergéis.

Para tornar menos penosa a manhã que chega prenhe

de imposturas. 

Poder amar a mudez expectante das torturas e feras enjauladas.

Perdoar-se pelo crime de viver.

Para que a vida ainda valha a pena ser vivida.











domingo, 10 de dezembro de 2023


                     libertação


Quando o futuro se vê lançado no abismo do nada,

e as coisas nunca mais serão como antes,

não tema. Não se desespere.

Pode ser, meramente, o fim de uma vida entorpecida

por anos de cativeiro e verdades encaixotadas.

De uma rotina macia, insuspeita, fatal, à sorver a fantasia 

viciada em desejos velados.


Da vida em que tudo parecia promissor

e sob controle, mas que aos poucos esmaeceu, 

se corrompeu,

até que a carne fraca, fecundada pelo tempo 

bastardo, capitulou a impensável traição,

despeça-se sem pesar.

Junte os cacos, respire fundo e siga em frente.

Às vezes uma aparente desgraça

pode ser uma benção.

Uma libertação.


 



sábado, 9 de dezembro de 2023



                 quando te vi pela primeira vez



 

Quando te vi pela primeira vez, 

teu olhar desconfiado 

atiçou em mim

uma espécie de inanição enroscada 

na garganta.

 

Fez meu coração bater como se estivesse

à beira de um despenhadeiro.


Quando te vi pela primeira vez,

senti iluminar o tráfego dos desejos.

Vi meus becos quebrarem o invólucro 

das gestações inflamáveis.


Nem santa nem puta, volveu vagas reativas.

Serei um novo eu a cometer os mesmos desatinos ?


É tão bonito o entardecer a teu lado.

Odores suicidas perfumam o ambiente insolúvel.

Revivendo medos cativos.

Vagos saberes partem o chão sem trilhas.


Quando te vi pela primeira vez,

senti que nada seria como antes.

Na vaga-vida-sofrida, os pés trincados absorvem

a poeira batalhada em pedra.

Vieste como uma tábua de salvação.

Para me lembrar que as flores crescem de novo.









domingo, 3 de dezembro de 2023



                       degredo




 


Não me interroguem.

Não me questionem.

Nem eu sei o que faço.

Por que faço.

Detesto rótulos.

Dispenso exéquias.

Minhas limitações são meu flagelo.

Ando por aí pela força do hábito.

Nunca tive coragem de sair do casulo.

Experimentei todas as formas de abandono.

Amei as provações mais gloriosas e funestas.

Pela carne conheci a miséria dos silêncios e das traições.

Tudo em redor de mim ilumina o meu degredo.

Todas as vozes numa voz se atufam onde moro.

Eu sou o irmão das ausências e cegueiras.

Assim, renitente,

amado fui sem merecer.

Adolescência e madureza condenam-me 

pelo que não fiz.











sábado, 2 de dezembro de 2023



               o último tango


O tempo vai passando, passando,

os dias ficando iguais,

enquanto as lembranças mofam nas gavetas.

A vida escorre entre os dedos, em devaneios 

e cansaços.

Toda minha ambição consiste em driblar 

os desenganos 

e aprender a dançar tango.

Do amor nada mais espero.

O coração já não reluta.

Troco as musas todas

por um colo de puta.







 

sábado, 25 de novembro de 2023



                    

                 sabedoria





Cansei de procurar respostas.

As respostas que me procurem.

Resigno-me em não fazer mais apostas.

Dúvidas e incertezas, que o diabo as carreguem !


Já fui feliz mesmo não sendo.

Ungido por secreta proteção divina.

Vivi como se não houvesse amanhã. 

Ouvindo mais o coração do que a razão.



Agora que os novos e os antigos dias se misturam,

e já não há como recuperar o que foi perdido,

trato de desfrutar o que ainda vale a pena ser vivido.

Valorizar as dádivas que os novos tempos entesouram.



Assim, digo adeus para quem fui.

Sem deixar de ser o que sou.

Aquele que amou mas não se doou.

E que hoje colhe o que plantou.


O que fiz está feito.

Não há como remediar.

"Sabedoria ! Sabedoria !

Só te encontrei nos abismos",

já disse por mim a douta Cecília.




























                 inumanos





O tempo de adivinhações e presságios abriga 

deuses terríveis.

A fúria dos dias imita as raízes sob a terra, à procura da luz 

que as verbenas inflamam.

Do homem que se condói, o amor não se desprende.

Para que se torne algo maior, alheio ao mundo que o vergasta.

Normas mais antigas que os crocodilos do Nilo remontam

a esfinge e ao obelisco das eras.

Guerras são o adubo da terra.

Há soluções e bálsamos para tudo, desde que se

prescinda da razão.

A solidão repartida infecta os porões familiares 

com o desconsolo dos proscritos.

A dualidade que rege o tempo e o espaço desconhece 

o assombro. 

Os profusos sentimentos malogram, confusos.

O que somos transplanta as frágeis mudas de nossas

fraquezas e imperfeições.

Jamais seremos melhores do que somos.

Perseverantes, sonhamos os sonhos improváveis.

Sem futuro, sem perspectivas,

imundos. 

Inumanos. 





 



  




 

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