sábado, 27 de julho de 2024


                         causas perdidas





O que nos trouxe até aqui se perdeu 

no fluxo dos enxames.

Fora de nós os interesses em jogo

desmontam o passado.

O que fomos, o que fizemos 

adoece sob a imobilidade das causas perdidas.

O peso sobre os ombros supõe ouvir nereidas.

Aqueles que não sucumbem desistem de si mesmos.

Reduzidos a anelos fúnebres. 


É tempo de amar o impossível.

Entrever no sentimento novo os desejos

sequestrados,

enquanto elefantes sobem nos telhados.

Há que rasgar os manifestos, defenestrar

os incestos,

em prol dos mais ordinários impulsos.

Os planos de redenção remontam a delinquentes

de ofício.

Quando se trata de tirar proveito, é preciso dar

o que a vida pede.

A raiva das línguas faz as honras da casa.

A vontade de fugir se vinga ficando.

Desistir sem sequelas viola a diáspora dos triunfos.

Não há razão para desespero quando a cepa 

do fracasso é a incompreensão.

O enjambement é meu antídoto contra a

mesmice dos enredos.

Desanuviar-me das obrigações é meu ultraleve.

O possível itinerário trânsfuga experimenta 

erros de outra espécie.

Prefiro ficar com os meus, que já conheço.

Agradar todo mundo é a maior das causas perdidas.



 







 




 





sexta-feira, 26 de julho de 2024



                       a verdadeira face





A raiva embute o genoma da verdade.

Quando tudo que está represado, mantido em fogo morno, 

contido, disfarçado, e de repente vem à tona,

você enfim se liberta,

mas também revela sua outra face.

A hedionda face que esconde e com a qual 

se faz passar pelo que não é.


Sim, a raiva pode ser libertadora,

mas no fundo não deixa de exteriorizar 

os seus próprios podres.

A raiva descontrolada e indiscriminada 

aflora o que temos de pior.

Quando nos leva a raspar o fundo do tacho das ofensas, 

e o mais degradante : inventando, invertendo, 

projetando nos outros

nossas próprias mazelas e malignidades.


A raiva, a ira, são parte vital da natureza humana,

e de certa forma inevitáveis.

Inevitáveis e justificáveis, por tratar-se de um sentimento

de proteção e autodefesa.

A própria Bíblia está repleta de passagens sobre 

a ira de Deus.

A diferença está na desordem emocional que estabelece 

o exagero das reações.

Quando a raiva é motivada por ressentimentos, rancor, ódio,

que cegam e nos levam a perder o 

necessário senso de justiça.









"Bem-aventurados os mansos de espírito, porque

é deles o reino dos céus" (Mt 5.5).


                         


                             confissões impuras


Meu espaço engole o tempo, enquanto a íntima verdade 

destoa da realidade.

Ninguém pode ser muito, sob pena de não ser nada.

Quando se trata de ocultar as coisas, o ignorado

explode sem ônus.

A menos que esteja preparado, abstenha-se

de ser feliz. 

Ontem como hoje, o real e o imaginário prometem

mas não cumprem.

Apagar a memória requer confissões impuras, que afloram

em meio a raiva.

Quem se vê acuado confronta os acordos de paz.

Uma escória vale mais que um estado de imundície. 

O corpo gerido macera raízes expostas, para que 

as paisagens camufladas ofusquem a visão.

Os que desistem litigam em causa própria, em desdouro 

do que não se teve.

Eu e você

Você e eu

provamos o luto do que não morreu.

Por nunca ter sido.



terça-feira, 23 de julho de 2024



                          mea culpa




Não entendo nada de nada da vida.

O que aprendi mal dá para o gasto.

Vivi perdido e com a alma em conflito.

Nem me dei conta de como tudo em volta era bonito.


Fiz e aprontei sem medir consequências.

De certa forma nunca cresci.

Não tive juízo nem maturidade.

Quando a conta chegou, já era tarde.


No geral, nunca fui muito esperto.

Tampouco fiel e honesto.

Não consegui acalmar o espírito inquieto.

Talvez tenha sido esse meu maior pecado.


Sei que é tarde para me redimir.

O que ficou para trás não tem conserto.

Tudo o que almejo é seguir altivo até o fim.

Para que ninguém sinta pena de mim.








 



                                        o pior




O pior da morte

é que a vida continua.


O pior de nascer

é não poder voltar atrás.


O pior de amar

é não estar à altura.


O pior de tudo

é que nunca para de piorar.


O pior de não ter para onde ir

é não ter porque ficar.





domingo, 21 de julho de 2024


                        simbiose




Sou um sonhador que sonha

com a simbiose dos momentos perfeitos.

Como se fosse possível ser mais feliz 

do que eu fui.

Pelos amores que tive.

Pelos filhos que tenho.

Pelo coração humanamente compungido

que a tudo e a todos subsiste.


Passeio pelo tempo sem reparos e remorsos.

O que fiz e o que deixei de fazer

se dissipam sem amargura ou rancor.

Não me resguardo nem me esquivo diante

do que a vida me ensinou.

Aprendi a valorizar as coisas que me fizeram diverso

do que um dia fui,

e que tão longe me levaram.

Longe e predestinado a ser feliz.



sábado, 20 de julho de 2024

                      

                       ventres assassinos



A sutil evocação dos pássaros argui a manhã pressurosa.

No fundo do silêncio jaz o louco, o imponderável.

Enquanto transfigura-se o espaço de todos os dogmas.

Nascemos para ruminar a bomba atômica.

Adrede a órbita cega dos ventres assassinos.

Na vida em construção compreende-se o alcance do abstrato.

Surreal como a poesia de Cesar Vallejo, a inspiração

esmaga os testículos aflitos.

Falar com palavras, ai de mim !

Não há mentira que se sustente para sempre.

Sob a aparência de heroica semelhança, deformidades 

revestem-se de beleza inabitável. 

Para que os papéis se invertam e o mundo

desça das estrelas.






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