sexta-feira, 17 de janeiro de 2025



               louco pela vida




Ainda procuro o que perdi pela vida afora.

Ciente de que jamais encontrarei

o que nunca cheguei a ter.


Dos caminhos sem volta que percorri,

doou-me o sol das fantasias

o seu tímido legado.

Quem me dirá o que fui, o que sou ?


No eco longínquo, em algum lugar existe

o gesto alto que me trouxe aqui.

Entre fantasmas e novas paixões,

guio-me

como se a vida nunca fosse acabar.


Meus passos lentos esquecem de quem

eu fui,

para ser outro ainda mais louco

pela vida.




 



                a vertigem do amor




O que me inspira já se apaga.

Jaz inerte no limbo do esquecimento.

Brinca de andorinha, brinda com vinho verde.

Martela o próprio sexo, ruge em cólera silenciosa.

Semeia brasas em camas silentes.

 

O que me inspira já se apaga.

Vielas de flores prostituídas instigam 

os clamores inefáveis.

Meus afetos despertam cadelas no cio.  

Quando nada dá certo, as certezas se exasperam

docemente.


Nada é como a gente quer, mas, eventualmente, 

a vertigem do amor transpassa

as pétalas tóxicas e a dor sem pranto.

A perpetuação do êxtase entoa cantos longínquos,

carregando o peso 

das partidas sem recobrar a consciência.


Desencarnado, o amor é uma causa 

inexoravelmente perdida. 

Revestido de sonhos, embrulhado em patacoadas,

não tarda a desandar como uma tragédia grega.

Fica quem quer, quem tem estômago.

Entorpecidos pelos encantos de Circe, 

deixamo-nos ficar à espera de algum prêmio.


Ah, o que seria de nós, homens, sem as jovens putas 

sem consolo nem vergonha, 

entre todas as mulheres as mais puras, 

posto que sem segredos 

e falsos pudores ?

Fiel à sua natureza espúria, a vida soterrada 

de bom grado entrega-se a luxúria.

Adiante dos orgasmos ignóbeis, o deliberado e 

inconstante desejo à sua maneira sobrevive.


Desesperança é tudo o que nos resta.

O tédio das vigílias faz-se metade anjo, metade

demônio.

A exaustão de viver guarda o plasma múltiplo

das paixões esmaecidas.

Capaz de todos os enganos, à míngua da beleza,

só o que não retorna permanece.

Como volitivas da vertigem do amor.





quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

                     

                   a sabedoria de Trismegisto




"A verdade é imutável em si mesma, e sobrevive a tudo, porém 

em diferentes moradas" (Os Grandes Iniciados/ Édouard Schuré.


Em tudo fadado à passar, algo sempre fica.

O que se ganha e o que se perde funde-se 

para desvendar os segredos dos seres e das coisas.

Um fulgor que é cegueira elude a sabedoria

do Trismegisto.

E assim, que a cura sem remédio anistie a dor antiga.

Que as horas recorram às podas universais.

Que as árvores retornem às florestas ancestrais.

Que nuvens perdoem as perenes fecundidades.

Que os pássaros compreendam o sol dos ardores

crepusculares.

E a futilidade da civilização encontre a paz

dos cemitérios.


Reserve sua bondade para os covardes.

Seja digno de seu troféu.

Não envergonhe as palavras que quebram paradigmas.

Fugas, desencantos, os vícios viciaram-se em ódios secretos.


Antes que tudo se desfaça, que os abismos encantem 

os olhos de quem não vê.

Que a glória de ser não saiba o que sonhou. 

Que os sinos dobrem onde a coragem termina.

Que as águas reguem as pedras que acalantam o sossego.

Largo é o gesto infame que adia a justiça.

Sangram vestes e raízes por um deus morto.


Que o amor não se apoie em bengalas.

Que o negro das trevas cesse na epiderme.

Que o canto da terra permaneça além do tempo.

Que as prisões libertem os inocentes de si mesmo.

Que a salvação da alma se lave de todos os prantos.

Que o insolúvel tubo de ensaio fecunde surpresas in vitro.

Que as fezes recorram as moscas e as latrinas amanheçam 

em cima dos telhados.

Que o dinheiro não corrompa a felicidade.

Que o desejo sem volta bata a sua porta.

Que matar os preconceitos não dê cadeia.


À luz das provações em vigência, que as Escrituras

cumpram o prometido.

Que tudo que faz a vida igual todas as manhãs

seja eterno.

Que o sono dos justos durma em lençóis de linho.

Que a paz não se contente com migalhas.


Quem se acha perdido, que aponte o caminho.

Quem carpe diem não inveja ninguém.

Quem madura temporão replanta brotando.

Quem entende a verdade vive por dentro.












domingo, 5 de janeiro de 2025


                                          



O que esperar do fim da estrada ?

Que alguém nos espere ? 


           Uma coisa perdida

           não se sabe perdida

           até ser encontrada.


Às vezes um homem bom

precisa fazer coisas ruins.

Sem deixar de ser bom.





                                   viver por viver





Viver por viver é como andar em círculos.

É preciso iludir-se para ser feliz.

A textura das amizades afaga muros transparentes.

Permita-se copiar a alegria das ausências.

Ver-se como um verme é tudo sem ser nada.

Apertado entre paredes, o amor evapora na foz da alma.


Sou um andarilho sem caminhos, tenho asas 

mas não voou.

Lavo a alma sem pressa, da vida já ando farto.

Tudo que anseio é viver sem sobressaltos.

Amando a mesma mulher de sempre.


A tarefa de pensar é desgastante. 

A tarefa de crescer nunca acaba.

Do mesmo ventre saem anjos e demônios.

Realismo mágico refunda a vida, despojada de pele

e nervos.

Melhor que dialogar com sonhos repetidos 

é reconquistar o passado.



 








 

sábado, 4 de janeiro de 2025


                        o rancor do mundo





Não sei explicar as coisas que não sinto.

Indigna é a fé que degenera nos lares.

O corredor que deixa entrever os pátios contem 

os ossos do amanhã.

Algo costuma acontecer quando estamos 

untados de mortes.

Havia um confessionário anacrônico que já não 

me causa dado.

Sinto desprezo pelas pessoas e me desprezo por isso.

A única coisa sem mistérios é a felicidade, porque se justifica

por si só.

A culpa dura enquanto dura o arrependimento.

Dias amarrados à divagações não toleram fronteiras.

Há fatos que não se sujeitam a mediações ou intermediações,

pois neles se fecundam.

O rancor do mundo afia a garra dos abutres.

A história que se desenrola nas sombras acaba nas sombras.

A falta de imaginação livra-nos de dilemas, mas torna

a vida insossa.

O banal retém a verdade mais íntima.

Onde os fragores terrenos empreendem novas jornadas,

o que é finito finda mas não morre.








quarta-feira, 1 de janeiro de 2025




Ano novo.

Momento de recolhimento e reflexão.

Feliz de quem sempre foi amado, 

e soube amar também !




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