Possua-me
Penetre-me
Poreje-me
Poetize-me
Musa da inspiração.
coração casca grossa
cabedal intransigente dos meus desatinos,
gravita entre o que eu sou e o que poderia
ter sido,
permeado de malogros e abandonos
como um barco encalhado.
Não obstante nada ter a lamentar nem a temer,
a vida tornou-se para mim um exaustivo escambo
com a consciência.
Que me guia como um farol sem luz.
Quantas vezes não fui, para poder te entender.
Quantas vezes ignorei, para poder te aceitar.
Porque no fundo, somos iguais.
Nossa paz interior brinca de atormentar-se.
Nem sei mais que gozo é este que de desengano
em desengano se esvai.
Pedaços de mim ficaram pelo caminho, eludindo
a carência que se amacia quase envelhecida.
A fugacidade das coisas ama os conflitos,
quando o simples querer não pode
ir além do permitido.
Teu modo de agir e pensar retribui o amor
com ingratidão.
Mas para tudo há limites.
Até mesmo para um coração casca grossa.
pé na bunda
Nada mais difícil do que desistir
de quem se ama.
Mas às vezes é necessário.
Quando a pessoa é tóxica, mau caráter,
narcisista.
Há amores que não valem a pena.
A maioria, diria.
Pois exigem muito mais que entregam.
Se afundam em seu próprio abismo.
Se aconchegam no tumulto que provocam.
Se revelam quando as diferenças e questões
mundanas afloram.
Não há afeto que resista a maus tratos.
Quem maltrata é porque não ama.
Quem não (se)valoriza merece o chamado
pé na bunda.
o amor sabe ser cruel
"Gosto de você mas não te amo".
"Não te amo mais, quero me separar".
Quem já não ouviu a sentença fatídica ?
Acha engraçado ? Pimenta nos olhos dos outros
é colírio, né ?
O amor sabe ser cruel, não poupa ninguém,
não se esqueça disso.
Porque sua hora vai chegar.
Quando encafuado nas socavas da paixão.
Certas coisas a gente acha que nunca vai nos acontecer,
mas quando menos se espera,
o pior acontece.
A bola nas costas, o chifre.
Tão óbvio, tão previsível, como você
não se deu conta ?
Que viajou na maionese.
Que tudo tem sua data de validade.
Mas tudo bem, são coisas que acontecem.
Não faça drama.
Não é o fim do mundo.
Bola pra frente, pode demorar mas a fila anda.
E às vezes dar azar
é a maior sorte !
felicidade sem vergonha
Não há paz interior para quem vive nas trevas.
Nada contenta os invejosos, recalcados, raivosos,
que andam por aí disfarçados ou de tocaia.
Nem sempre são más pessoas, são apenas judiados
pela vida, mal resolvidos, mal-amados.
Às vezes simples palhaços, escondendo as dores e
frustrações com suas máscaras risonhas.
Tentam fugir de seu destino erradio batendo
de frente com o mundo.
Sem atinar que a raiz de tudo está em suas próprias
atitudes egoístas e mesquinhas.
Incapazes de ver o lado bom das coisas, travam
suas lutas famintos de si mesmos.
Assim permanecem, surdos ao clamor dos
dias desperdiçados.
Às dádivas que a vida caprichosa condiciona
a felicidade sem vergonha.
a glória de ser
Nem tudo é falso, nem tudo é mentira.
Há verdades básicas que não podemos ignorar.
Tudo que nasce torto não desentorta, começando por aí.
Há que se relacionar com a existência como quem sabe
o que quer.
Fazer o que será é a glória de ser.
A glória de ser é fazer o que será.
Assim mesmo. De frente para trás e de trás
para frente.
Tudo o que acorda de manhã deflora o porvir.
A minha amplidão me desencaminha mas não
solto as rédeas do acaso.
A vida de trabalho, as pequenas conquistas açulam
minhas raivas de gozo.
Não concebo o amor com medo dos desejos.
Desejo é merecimento.
Deseje pouco e terás pouco.
Deseje muito e seja o que Deus quiser.
As inquietudes voltam mas servem de alerta.
Não se consegue nada de peito aberto.
Não se é feliz ignorando os riscos e perigos.
Conte sempre com a imbecilidade e a maldade humana.
Entre todas as coisas finitas, fundir-se-ão
a alegria e a tristeza.
Sem nunca revelar o segredo dos seres e suas escolhas.
o palhaço da Criação
Justiça seja feita à espécie humana : não há nada
mais tosco e degenerado no reino de Deus.
Filho enjeitado da mãe natureza, o seu apogeu
é a própria ruína da civilização.
Progredir, possuir, custe o que custar,
é tudo o que lhe importa.
O desejo do desastre o acompanha.
Desejo de dores e de mortes.
A máscara do heroísmo acalenta os dias difíceis.
Chafurdando entre estupidez e fragilidade.
Sempre propenso à autoenganar-se, a acreditar em
vigaristas e charlatões.
A razão lentamente triturada pela ambição desenfreada
e desejos inconfessos.
Comungando a tola crença da superioridade humana
no processo evolutivo.
Em sendo frágil feito uma tartaruga sem casco.
Vulnerável até a simples moscas e mosquitos.
Sem sequer um rabo para espantá-los.
Pobre ser metido à besta, quanto mais estudado
à luz da ciência, mais sua existência
carece de significado.
Vem de longe o bulício das multidões estigmatizadas.
O clamor fresco das tragédias impregnado de nonsense
barato.
Quem, senão ele próprio, a persuadir-se dos maiores
disparates ?
Uma gama infinita de "verdades" lastreadas na ilimitada
força da crendice humana.
Entre as quais, coisas abstratas como a existência da alma
e o poder da fé.
Que não obstante o total fracasso em tentar
comprová-los, nunca impediu
o homem de acreditar que existam.
E como tal, ser capaz de entrar em contato com Deus,
e até mesmo de assemelhar-se ao todo-poderoso.
De tanto viver o insano, o desamparo, torna-se o
próprio reductio ad absurdum da natureza animada.
O palhaço da Criação.
"A fé pode ser definida como uma crença ilógica na ocorrência
de algo improvável" (H.L.Mencken)
não acredite
quando digo
que te amo
Não acredite quando digo
que te amo.
Mesmo sendo verdade, posso estar
enganado.
Como já estive outras vezes.
Quando achava que amava.
Quando tudo era empolgação e ardor.
Delírio e tesão.
Paixão.
Coisas que com o tempo se perde.
Quando não emanados de um sentimento
mais profundo.
Um magnetismo que atravessa os portais
do gozo e do encantamento,
para preencher o vazio que temos dentro de nós.
Mesmo que por pouco tempo.
Em sendo o amor o mais delicado dos sentimentos.
Que requer todo o cuidado,
um esforço redobrado,
às vezes sequer notado,
e ainda assim, no mais das vezes malogrado.
Por isso, meu amor, não acredite quando digo
que te amo.
De repente, pode ser verdade...
em stand-by
Travo minhas lutas anônimas em stand-by.
Os filhos criados.
Os amores depostos.
De uma forma ou de outra, sempre disponível.
Aberto a todas possibilidades.
Levo a vida imaginada à revelia do tempo.
Em paz com os conflitos passados.
Feliz a meu modo, pisando em campo minado.
Aprendi a aceitar o que não posso mudar.
Aceitando-me.
timelapse
Já estávamos mortos, noite dessas.
Tão convictos quanto torpes.
A infusão tardia de ondas conflagradas
incinerou o inverno.
Éramos outros quando a fome comeu
a reclusão do escaravelho,
antes que os amigos fossem visitá-lo.
Tudo aqui está fechado e sozinho.
O sentimento novo ficou lá fora no relento.
De sacanagem, o timelapse tirou
o pau para fora
e mijou na caixa de Pandora.
juntos para sempre ?
Todo mundo quer um amor.
Sem medir as consequências.
Todo mundo diz que o amor é belo.
Mas será que você vai continuar me amando
Quando eu estiver mais velho ?
Todo mundo quer um amor.
Não importa as circunstâncias.
E eu não sou diferente.
Mas será que você vai continuar me amando
Se eu ficar pobre e feio ?
Todo mundo quer um amor.
Todo mundo quer ser feliz.
Mesmo sabendo que nem tudo são flores.
Será que você vai continuar me amando
Diante dos inevitáveis dissabores ?
Todo mundo quer um amor.
Tipo assim, para o que der e vier.
Com direito a juras de amor eterno.
Mas será que você vai continuar me amando
Quando não houver mais juventude, beleza, dinheiro ?
* Reescrevendo Fernando Koproski/ Casamento
o príncipe encantado
Sim, eu sei, o amor é um suplício.
A melancolia que toma conta de mim,
com a tua ausência, delata-o.
É a causa desse permanente desassossego.
Por mais que eu tente manter as coisas sob controle,
a verdade é que não falamos a mesma língua.
Bem sei que te chateio com minhas demandas,
mas sou como sou,
não consigo nem quero mudar.
Porque isso significaria mudar esse meu jeito
intempestivo de amar.
E assim como não se pode acender
o que já virou cinza, sei, por experiência própria,
que o amor não sobrevive à calmaria.
Aceita-me, portanto, com meus vícios e desvirtudes,
para que o meu melhor aflore, antes que a primavera
faça greve de flores.
Lembre-se, mais vale um amor com defeitos
do que um príncipe encantado que não existe.
Ainda mais você, que odeia melhor do que ama.
Que só é carinhosa na cama.
você é feliz ?
Em 18 anos de casamento, não lembro de ter
perguntado a minha ex-amada se ela estava feliz.
Presumindo, erroneamente, que era feliz.
Como eu achava que era.
Só que não.
Nem ela, e provavelmente nem eu, éramos felizes.
Acomodados, isto sim.
De certa forma conformados com os prós e contra
de toda longa relação.
Algo longe de ruim, ao contrário, não só suportável
como satisfatório, considerando a vida confortável,
sem luxo mas sem privações.
Mas nem sempre o básico é suficiente.
Nem sempre cumprir com as obrigações, suprir
as necessidades materiais,
é suficiente para manter uma relação.
Há o lado afetivo, geralmente o primeiro a ser
sacrificado ao longo do tempo, na proporção
do crescente desgaste da vida a dois, da chegada
dos filhos, que roubam toda a atenção da mãe.
Daí a negligenciar-se a questão básica, a pergunta
que todo casal deveria se fazer, periodicamente :
você está feliz ?
E se não está, como soe acontecer, é tratar de reavaliar
as coisas, ver o que pode ser feito para reparar os estragos.
No meu caso, lamentavelmente, já era tarde demais.
Você é feliz, de um modo geral ?
Se não é, trate de descobrir os por quês.
Reinvente-se, recicle-se, você não tem
nada a perder
que já não tenha perdido.
recital de epigramas
Já vi coisas do arco da velha
Rodízio de ladrões no poder
O darma virar carma
Felicidade comprar dinheiro
Vícios terapêuticos
Mirantes hospitaleiros
Evangelhos pornô
A chuva cobrir o burgo
Danças do vento
Gambá de ressaca
Mendigo zen
Girassóis incendiários
Açogueiro desdentado
Presidente descondenado
Cavalo em telhado
Chá de buceta
Gol de letra
Padre de patinete
Biografia rasurada
Desventuras aladas
Enxovais enxovalhados
Papagaio mudo
Feijoada de crustáceos
Ódio remunerado
Fã-clube de bandido
Porre de angustura
Índio de bermuda
Buda sem bunda
Poeta tampax
Amor express
O belo amando o feio
O bem fazendo o mal
O muito transformado em pouco
e vice-versa
Prazer misturado com suplício
O belo transmutado em nojento
A poesia-síntese
garimpando
a sintaxe perfeita.
meus sete pecados capitais
( e o que eu preciso urgentemente mudar )
1. Me preocupar em demasia com o que os outros pensam de mim.
Foda-se os que me criticam ou julgam mal. Minha consciência
é meu implacável juiz.
2. Tentar agradar todo mundo. Por mais que a gente faça,
nunca estamos à altura das expectativas alheias.
3. Exigir demais dos outros. Cada um dá o que tem. O que
esperar do ignorante, do iletrado ?
4. Excesso de boa fé. Já não basta de quebrar a cara ?
5. Esperar por reconhecimento, respeito, reciprocidade.
6. Agir impulsivamente. Cansei de fazer merda por
conta de rompantes.
7. Expectativas exageradas. Nada como ter os pés no chão.
pare de encher o saco de Deus
Pare de encher o saco de Deus.
"Não pronunciaras o meu santo nome em vão", já esqueceu ?
É um dos mandamentos que você teima em esquecer.
Pare de associar tudo o que lhe acontece à vontade de Deus,
cada um cava a cova de seu destino, para isso Ele nos
delegou o livre arbítrio, e cá pra nós,
é muito comodismo
de sua parte deixar tudo nas mãos dele.
É patético ficar o tempo todo agradecendo, louvando,
como se as coisas boas que lhe acontecem sejam
uma dádiva divina, e automaticamente, uma prova
de que você é uma boa pessoa, sob a homologação
do Altíssimo.
O que está longe de ser verdade, convenhamos.
Sob esta lógica falaciosa e facciosa, todos os poderosos,
abastados e afortunados de toda natureza
o seriam por deferência especial do todo-poderoso.
Não é por aí, claro. Mas é o que transparece desse
tipo de discurso
religioso-louvaminheiro que muita gente professa.
Que não evita que a sorte mude, e desgraças e tragédias
advenham para todo mundo, basta dar tempo ao tempo.
Longe de mim desencorajar e muito menos
desdenhar da fé alheia.
Que cada um sente e exerce à sua maneira.
O que importa é neutralizar o estilo kamikaze de
de viver, excomungar a tristeza,
santificar a alegria.
O resto é heresia.
fulano de tal
Os ruídos da cidade rompem as litanias festejantes.
A multidão obediente vai e vem, devidamente
pautada e rastreada.
Ruminando causas perdidas.
Respirando o ar poluído da privacidade
vigiada.
No pleno gozo da liberdade sujeita aos humores
de magistrados biltres.
A via modernosa trespassa-se no fio da navalha.
Qualquer descuido e a maionese desanda.
Do nada, a casa cai.
Ao essencial averba-se o dízimo de pau e pedra.
Estraga-se a vida em excelsos jogos.
Dissolvida em desejos castrados e alegorias multimídias.
Desvirtuada por amores tortos, overdoses de funks
do baixo meretrício.
A bulha dos inconformados exorciza os adoradores
de umbigo.
O tempo das verdades sonegadas guarda segredos
enfurecidos.
Destextualizar a indignação coletiva inaugura a era
da pseudo-democracia.
Os paradoxos convivem naturalmente, até quando ?
O difícil desacomoda-se correndo riscos.
A incomunicabilidade é a trincheira da última bala.
Cúmplice de muitos e finos tratos, fulano de tal
rendeu-se a linguagem gloriosa e guerrilheira
da indignação recidiva,
reconhecendo a dualidade de não sentir falta
do que não se vive sem.
Poderia ser alguém conhecido, alguém
entre inúmeras pessoas cuja existência ignoramos,
num tempo hipotético, de longos caules,
saindo do armário, nem doce nem amargo,
impregnado de valores abstratos,
o próprio proto-macho-moderno-hermafrodita
num rio de piranhas, morrendo de sede no
líquido amniótico, privado do sol da própria casa,
entre avencas, lírios, rosas, articuladas em tempos
difíceis, com fome de mísseis e amores putrefatos.
Um fulano de tal ungido e compungido pela palavra asfixiada,
avant la lettre a metafísica das loucuras, a fim de libertar
o fogo trancado,
as cataratas de oceanos, em pleno exercício de remissão,
para que as profecias se cumpram e os cardumes
de sardinha encontrem paz na pança das baleias.
Um fulano de tal que busca a perfeição que não existe,
o entendimento que santifica o profano, saciar a fome que
alimenta a carne, despoluir o espírito do peso da salvação,
o alter ego mais cego que morcego,
o candeeiro de estrelas cavalgando o olimpo, escassez ou
excesso, tanto faz.
Um fulano de tal que sonha partir desta para melhor triunfalmente,
perdoando a mágoa, liberto e reconciliado com as entristecidas
células, limpo de espírito, em paz com o Altíssimo, frutificado
sobre a terra o seu quinhão à criação, pronto para cumprir o
destino glorioso do Bardo Thödol.
Que assim seja, AMÉM !
gênesis e apocalipse
A salvação do planeta
não tem data marcada,
mas o fim, sim, já faz
as honras da casa.
À beira do colapso,
alheia às causas e efeitos,
a força da natureza se antepõe
à luta pela existência.
Pesadelos à espreita, a radioativa
ampulheta em contagem regressiva
emite os alertas, com a sucessão
de cataclismos de toda espécie.
Ergue-se o fênix dos ciclos da morte,
transmutado em egoica fraternidade.
Enquanto o gênesis e o apocalipse
lacram o jardim do Éden.
lembrando o que merece ser lembrado
Antes que eu esqueça de lembrar
o que tento esquecer,
recordo o que passou como pequenas
lápides às margens do destino.
Lembranças que estilhaçam o presente engendram
um existir e inexistir complexo.
Não que nada tenha valido a pena.
Não que tudo tenha escorrido pela sarjeta
ou se perdido em roteiros imundos.
Debruço-me sobre meu passado como quem
se acostumou ao acostumável.
Elaborando circunstâncias próprias.
Escondendo-me atrás de pequenas fortalezas.
Pregustando o amanhã possível consolando e sendo
consolado.
Lembrando o que merece ser lembrado.
O melhor e o pior encadeados.
Exaltação e rancor de vaginas cansadas.
causa e efeito
Água e fogo consomem a terra de encantos e temores.
À condição humana impõe-se as misérias de cada dia.
Leis que regem o universo ignoram o princípio e o fim do Verbo.
Só perduram no tempo as larvas que corroem os defuntos.
Não há nada de novo sob o antigo sol.
As infinitas variações de causa e efeito saturam-se
de séculos e estrelas.
Somos aqueles que emergiram do barro para profanar a Criação.
Confrontando a avara sorte a fim de evadir-se dos dias
consagrados ao inútil.
de segunda a segunda
A vida se mascara e se revela
perto e longe de tudo.
Andamos à esmo buscando saídas
dos embates que travamos dentro do peito.
Fiéis a crenças que emburrecem.
Aventurando-se em enlameadas lutas.
De segunda a segunda.
Elegias de cansaços enlaçam as cidades
frias e cálidas,
acorrentadas as humanas labutas.
Criaturas inermes pululam, anestesiadas.
Esforços falsificados crescem soltos no asfalto.
De segunda a segunda.
Gente diferente de além-mar entoa
hinos de amor e guerra.
O drama da convivência dispensa tréguas.
O fulcro do tempo circular andeja
em lúgubres responsos.
De segunda a segunda.
Aqui e agora a história se repete.
Falta comida na mesa.
Falta esperança e alegria.
Falta tudo o que não pode faltar.
O mundo não se desvenda como
um palco quimérico.
Tampouco a vida se faz de rogada.
De segunda à segunda o bicho pega.
regresso
Saem os barcos para o mar, sabendo
que podem não voltar.
Assim o tempo de Deus se põe-se de pé,
veraz e inapelável.
Nele adentra o denso sol da tragédia, as vertigens luminosas
das devoções, o despertar entre os mortos.
Que anoitecidas formas de ser conjuram o turvo
das águas dormidas ?
Alheio ao perigo, abrasam-se os anseios em meio
aos escombros cotidianos.
Nada importa afora o clamor das privações.
Já não poder vencê-las sem provar o torpor exausto
dos desejos, eis o enfurecido repto.
Que olhos do mar espreitam os dibujos del puerto ?
Não mais que sempre se mostra o mundo partido,
as âncoras da vida arrastando as sagas contratuais,
os monopólios da infância,
as baldrocas oratórias.
Saem os barcos para o mar sabendo
que podem não voltar.
Mas quase sempre voltam.
Isente-se o coração quando o nítido rosto
sem feições do amor
regressa.
a paciência da espera
Aprendemos assim, na marra.
Quem hoje ri, amanhã chora.
Não se trata de destino, sina.
É apenas a vida que peregrina.
Como dizem os falsos oráculos
e adjuntos,
pombo e falcão não voam juntos.
Veio o verão sem sol.
Veio o plantio sem colheita.
Veio a negra indiferença.
Veio o amor sem esperança.
De que vale a vida sem o sorriso
de uma criança ?
O duro silêncio tudo acalma.
A palavra revisada emudece a mente.
O sujo e o feio de olhos esbugalhados.
A paciência da espera ignora
o terror da solidão.
O homem que tudo come
enche a barriga
mas não mata a fome.
Tudo é falso até que se prove
o contrário.
De nada em nada, il vento
come fa se tace.
Vão-se as folhas, e recria-se o novo.
Vagos, risonhos, fátuos sonhos.
a fuga dos caminhos
O verdadeiro recria-se como um ovo.
Súbito, o sonho de Cervantes faz-se alto e real.
A fim de compor poemas cáusticos.
O remoto segue adiante surdo ao novo, articulando
esboços de mil mesclas.
Você protesta mas ninguém escuta.
Quer revidar mas não consegue.
Você está vivendo a vida de outros mas não
consegue mudar. Que merda, hein ?
Perdido na fuga dos caminhos, tudo se torna ausente
sem quebrar.
Teu lamento abriga tardes antigas, farsas, falácias.
A ferida que não fecha, ignorada e pisada,
cala e consola.
Onde as nuvens rangem e os telhados choram
lutar é proibido.
Não há saudade nem temor no encanto de falsas sereias.
Sobre prebendas de incompreensões paira a poeira
dos desencontros.
O que dizem de ti não importa.
Pior seria se não dissessem nada.
exaltação do dia
Na exaltação do dia
Inverdades sinceras
Queimam as heresias
Acordam sonhos
Colhidos às pressas.
No dia perfeito
O adeus se despede
A doçura brota
De escolhas equivocadas
Coração vazio
De mansa vastidão.
Desejo frio
Desejo no frio
A cama vazia
A noite em branco
Sonho ao contrário
Acordado.
Plenitude do tempo
Crinas de vento
Lentos entraves
Resgates despertam
A mente assassina
Descortina a memória.
Não procure a verdade
A verdade te achará.
a noite eterna a noite eterna chega devagar a vida passa devagar até tudo passar e você de repente acordar sozin...