sexta-feira, 31 de maio de 2024



Possua-me

Penetre-me

Poreje-me 

Poetize-me

Musa da inspiração.


 



               a paz do inferno



A noite abraça as criaturas.

Às vezes como um bálsamo, às vezes 

um filme de terror.

No interior dos lares,

das fábricas,

dos palácios e puteiros,

toda espécie de drama se desenrola. 

Até que a noite caia

e tudo silencie,

e todos descansem

na paz do inferno.



quinta-feira, 30 de maio de 2024



Amar pode ser a coisa mais simples,

ou a mais complicada.

Simples quando há compatibilidade de gênio,

instrução, caráter.

Um inferno quando não há nada em comum,

a não ser o fato de se amarem.



terça-feira, 28 de maio de 2024



Se há um a coisa que tenho de bom

é não guardar mágoa de ninguém.

Nem daquela lazarenta f.d.p. que me ...

Enfim, deixa pra lá.





Não tenho vocação para celebridade.

Não tenho talentos especiais.

Sou poeta.

Grande merda !





Alguns precisam de pó.

Alguns precisam de pinga.

Ou de qualquer coisa que os distraia

da realidade.

Já eu só preciso

do amor dos meus filhos.

Será pedir muito ?





Não lamento nem choro,

porque esse já não é mais o caso.

Fiz de tudo mas não deu certo.

O meu melhor não foi suficiente.

Nunca estive à sua altura.

Cansei de me ajoelhar.

Prefiro renunciar à rastejar.







Eu não choro mais.

Deixo que chorem por mim.

Excesso de empatia.







... mas todo esforço resultou inútil

em sendo lidar

com o problema o problema. 

Ligar a chave de ignição

dar a partida

contíguo

ao atrito contínuo.

Incluindo encarar a fera.

Proibindo-se de falar, etc, etc.






Amar é despojar-se por inteiro.

A começar pelo amor-próprio.







                       gran finale


Prometi a mim mesmo

mudar

tantas vezes,

em vão,

como poderias me levar à sério ?

Mereço o teu escárnio.

O "vai tomar no cu" 

do nosso gran finale.



domingo, 26 de maio de 2024




O ingrato nato sempre encontra uma maneira de despreciar

quem o ajuda. "Você faz por obrigação, não de coração",

é uma delas. 


                Quando fizer merda, certifique-se que não há

                um ventilador por perto.


Sou feliz a meu modo.

Sempre pisando em campo minado



                                    

            coração casca grossa



 
Meu metro, 

cabedal intransigente dos meus desatinos,

gravita entre o que eu sou e o que poderia 

ter sido,

permeado de malogros e abandonos  

como um barco encalhado.

Não obstante nada ter a lamentar nem a temer,

a vida tornou-se para mim um exaustivo escambo

com a consciência.

Que me guia como um farol sem luz.


Quantas vezes não fui, para poder te entender.

Quantas vezes ignorei, para poder te aceitar.

Porque no fundo, somos iguais.

Nossa paz interior brinca de atormentar-se.

Nem sei mais que gozo é este que de desengano 

em desengano se esvai.

Pedaços de mim ficaram pelo caminho, eludindo 

a carência que se amacia quase envelhecida.

A fugacidade das coisas ama os conflitos,  

quando o simples querer não pode 

ir além do permitido.

Teu modo de agir e pensar retribui o amor

com ingratidão.

Mas para tudo há limites.

Até mesmo para um coração casca grossa. 

 






sábado, 25 de maio de 2024



                        o corredor escuro





Lembro de um corredor escuro

que eu não ousava atravessar.

Eu era muito pequeno ainda, mas já

temia aquele corredor escuro.

Cresci, vivi, envelheci e continuo 

com medo do corredor escuro. 

No qual minha mãe dizia

morar o bicho-papão.



sexta-feira, 24 de maio de 2024



                         pé na bunda



Nada mais difícil do que desistir

de quem se ama. 

Mas às vezes é necessário.

Quando a pessoa é tóxica, mau caráter,

narcisista.

Há amores que não valem a pena.

A maioria, diria.

Pois exigem muito mais que entregam.

Se afundam em seu próprio abismo.

Se aconchegam no tumulto que provocam.

Se revelam quando as diferenças e questões 

mundanas afloram.

Não há afeto que resista a maus tratos.

Quem maltrata é porque não ama.

Quem não (se)valoriza merece o chamado

pé na bunda.


  






quinta-feira, 23 de maio de 2024


                              o amor sabe ser cruel





"Gosto de você mas não te amo".

"Não te amo mais, quero me separar".

Quem já não ouviu a sentença fatídica ?

Acha engraçado ? Pimenta nos olhos dos outros 

é colírio, né ?

O amor sabe ser cruel, não poupa ninguém,

não se esqueça disso.

Porque sua hora vai chegar.

Quando encafuado nas socavas da paixão.

Certas coisas a gente acha que nunca vai nos acontecer,

mas quando menos se espera,

o pior acontece.

A bola nas costas, o chifre.

Tão óbvio, tão previsível, como você 

não se deu conta ?

Que viajou na maionese.

Que tudo tem sua data de validade.

Mas tudo bem, são coisas que acontecem.

Não faça drama.

Não é o fim do mundo.

Bola pra frente, pode demorar mas a fila anda.

E às vezes dar azar 

é a maior sorte !







                                     felicidade sem vergonha




Não há paz interior para quem vive nas trevas.

Nada contenta os invejosos, recalcados, raivosos,

que andam por aí disfarçados ou de tocaia.

Nem sempre são más pessoas, são apenas judiados

pela vida, mal resolvidos, mal-amados. 

Às vezes simples palhaços, escondendo as dores e

frustrações com suas máscaras risonhas.


Tentam fugir de seu destino erradio batendo

de frente com o mundo.

Sem atinar que a raiz de tudo está em suas próprias

atitudes egoístas e mesquinhas.

Incapazes de ver o lado bom das coisas, travam

suas lutas famintos de si mesmos.

Assim permanecem, surdos ao clamor dos 

dias desperdiçados.

Às dádivas que a vida caprichosa condiciona

a felicidade sem vergonha.


 



quarta-feira, 22 de maio de 2024

                       


                            a glória de ser




Nem tudo é falso, nem tudo é mentira.

Há verdades básicas que não podemos ignorar.

Tudo que nasce torto não desentorta, começando por aí.

Há que se relacionar com a existência como quem sabe

o que quer.

Fazer o que será é a glória de ser.

A glória de ser é fazer o que será.

Assim mesmo. De frente para trás e de trás

para frente.

Tudo o que acorda de manhã deflora o porvir.

A minha amplidão me desencaminha mas não 

solto as rédeas do acaso.

A vida de trabalho, as pequenas conquistas açulam

minhas raivas de gozo.

Não concebo o amor com medo dos desejos.

Desejo é merecimento.

Deseje pouco e terás pouco.

Deseje muito e seja o que Deus quiser.

As inquietudes voltam mas servem de alerta.

Não se consegue nada de peito aberto.

Não se é feliz ignorando os riscos e perigos.

Conte sempre com a imbecilidade e a maldade humana.

Entre todas as coisas finitas, fundir-se-ão 

a alegria e a tristeza.

Sem nunca revelar o segredo dos seres e suas escolhas.





 





segunda-feira, 20 de maio de 2024



                     intemporalidade





O que é existir ?

A hora da chegada é a hora da partida.

Sem novas esperanças que despontem.

Sendo de si mesmo vítima e algoz.

Debruçado sobre a própria sepultura.

Em comum, o fruto do descuido

onde plasma o impossível.

Por detrás de tudo, o brilho

da intemporalidade. 



domingo, 19 de maio de 2024


                              o que me dás


Chegas sempre assim.

Como uma extensa praia, uma

rua deserta.

Como se me trouxesse algum recado.

Algo tão belo que não faz falta.

O que me dás, o corpo entrega.

Inflamas o meu ser transpondo 

um jardim secreto.

Me arrastando para sonhos

que evaporam.

Porque há muito

não sei o que procuro.




                      o palhaço da Criação




Justiça seja feita à espécie humana : não há nada

mais tosco e degenerado no reino de Deus.

Filho enjeitado da mãe natureza, o seu apogeu 

é a própria ruína da civilização.

Progredir, possuir, custe o que custar,

é tudo o que lhe importa.

O desejo do desastre o acompanha.

Desejo de dores e de mortes.

A máscara do heroísmo acalenta os dias difíceis.

Chafurdando entre estupidez e fragilidade.

Sempre propenso à autoenganar-se, a acreditar em 

vigaristas e charlatões.

A razão lentamente triturada pela ambição desenfreada

e desejos inconfessos.

Comungando a tola crença da superioridade humana 

no processo evolutivo.

Em sendo frágil feito uma tartaruga sem casco.

Vulnerável até a simples moscas e mosquitos.

Sem sequer um rabo para espantá-los.

Pobre ser metido à besta, quanto mais estudado

à luz da ciência, mais sua existência 

carece de significado.

Vem de longe o bulício das multidões estigmatizadas.

O clamor fresco das tragédias impregnado de nonsense 

barato.

Quem, senão ele próprio, a persuadir-se dos maiores

disparates ?

Uma gama infinita de "verdades" lastreadas na ilimitada 

força da crendice humana.

Entre as quais, coisas abstratas como a existência da alma 

e o poder da fé.

Que não obstante o total fracasso em tentar 

comprová-los, nunca impediu 

o homem de acreditar que existam.  

E como tal, ser capaz de entrar em contato com Deus, 

até mesmo de assemelhar-se ao todo-poderoso.

De tanto viver o insano, o desamparo, torna-se o 

próprio reductio ad absurdum da natureza animada.

O palhaço da Criação.



"A fé pode ser definida como uma crença ilógica na ocorrência 

de algo improvável" (H.L.Mencken)







  


















  




sexta-feira, 17 de maio de 2024


                                      não acredite 

                       quando digo

                       que te amo








Não acredite quando digo 

que te amo.

Mesmo sendo verdade, posso estar 

enganado.

Como já estive outras vezes.

Quando achava que amava.

Quando tudo era empolgação e ardor.

Delírio e tesão.

Paixão.

Coisas que com o tempo se perde.

Quando não emanados de um sentimento

mais profundo. 

Um  magnetismo que atravessa os portais

do gozo e do encantamento,

para preencher o vazio que temos dentro de nós.

Mesmo que por pouco tempo.

Em sendo o amor o mais delicado dos sentimentos.

Que requer todo o cuidado, 

um esforço redobrado,

às vezes sequer notado,

e ainda assim, no mais das vezes malogrado.

Por isso, meu amor, não acredite quando digo

que te amo.

De repente, pode ser verdade...












                           em stand-by


Travo minhas lutas anônimas em stand-by.

Os filhos criados.

Os amores depostos.

De uma forma ou de outra, sempre disponível.

Aberto a todas possibilidades.

Levo a vida imaginada à revelia do tempo.

Em paz com os conflitos passados.

Feliz a meu modo, pisando em campo minado.

Aprendi a aceitar o que não posso mudar.

Aceitando-me. 

 




quarta-feira, 15 de maio de 2024



                           timelapse



Já estávamos mortos, noite dessas.

Tão convictos quanto torpes.

A infusão tardia de ondas conflagradas

incinerou o inverno.

Éramos outros quando a fome comeu 

a reclusão do escaravelho,

antes que os amigos fossem visitá-lo.

Tudo aqui está fechado e sozinho.

O sentimento novo ficou lá fora no relento.

De sacanagem, o timelapse tirou 

o pau para fora

e mijou na caixa de Pandora.  





                      juntos para sempre ?





Todo mundo quer um amor.

Sem medir as consequências.

Todo mundo diz que o amor é belo.

Mas será que você vai continuar me amando

Quando eu estiver mais velho ?


Todo mundo quer um amor.

Não importa as circunstâncias.

E eu não sou diferente.

Mas será que você vai continuar me amando

Se eu ficar pobre e feio ?


Todo mundo quer um amor.

Todo mundo quer ser feliz.

Mesmo sabendo que nem tudo são flores.

Será que você vai continuar me amando

Diante dos inevitáveis dissabores ?


Todo mundo quer um amor.

Tipo assim, para o que der e vier.

Com direito a juras de amor eterno.

Mas será que você vai continuar me amando

Quando não houver mais juventude, beleza, dinheiro ? 



* Reescrevendo Fernando Koproski/ Casamento



terça-feira, 14 de maio de 2024



                       o príncipe encantado





Sim, eu sei, o amor é um suplício.

A melancolia que toma conta de mim,

com a tua ausência, delata-o.

É a causa desse permanente desassossego. 

Por mais que eu tente manter as coisas sob controle,

a verdade é que não falamos a mesma língua.

Bem sei que te chateio com minhas demandas,

mas sou como sou,

não consigo nem quero mudar.

Porque isso significaria mudar esse meu jeito

intempestivo de amar.

E assim como não se pode acender 

o que já virou cinza, sei, por experiência própria,

que o amor não sobrevive à calmaria.

Aceita-me, portanto, com meus vícios e desvirtudes,

para que o meu melhor aflore, antes que a primavera

faça greve de flores.

Lembre-se, mais vale um amor com defeitos

do que um príncipe encantado que não existe.

Ainda mais você, que odeia melhor do que ama.

Que só é carinhosa na cama.














domingo, 12 de maio de 2024



                     você é feliz ?





Em 18 anos de casamento, não lembro de ter

perguntado a minha ex-amada se ela estava feliz.

Presumindo, erroneamente, que era feliz.

Como eu achava que era.

Só que não.

Nem ela, e provavelmente nem eu, éramos felizes.

Acomodados, isto sim.

De certa forma conformados com os prós e contra

de toda longa relação.

Algo longe de ruim, ao contrário, não só suportável

como satisfatório, considerando a vida confortável,

sem luxo mas sem privações.

Mas nem sempre o básico é suficiente.

Nem sempre cumprir com as obrigações, suprir 

as necessidades materiais,

é suficiente para manter uma relação.

Há o lado afetivo, geralmente o primeiro a ser

sacrificado ao longo do tempo, na proporção

do crescente desgaste da vida a dois, da chegada

dos filhos, que roubam toda a atenção da mãe.

Daí a negligenciar-se a questão básica, a pergunta

que todo casal deveria se fazer, periodicamente :

você está feliz ?

E se não está, como soe acontecer, é tratar de reavaliar

as coisas, ver o que pode ser feito para reparar os estragos.

No meu caso, lamentavelmente, já era tarde demais.

Você é feliz, de um modo geral ?

Se não é, trate de descobrir os por quês.

Reinvente-se, recicle-se, você não tem 

nada a perder

que já não tenha perdido.




  



 




 

















 



                recital de epigramas



 

Já vi coisas do arco da velha

Rodízio de ladrões no poder

O darma virar carma

Felicidade comprar dinheiro

Vícios terapêuticos

Mirantes hospitaleiros

Evangelhos pornô

A chuva cobrir o burgo

Danças do vento

Gambá de ressaca

Mendigo zen

Girassóis incendiários

Açogueiro desdentado

Presidente descondenado

Cavalo em telhado

Chá de buceta

Gol de letra

Padre de patinete

Biografia rasurada

Desventuras aladas

Enxovais enxovalhados

Papagaio mudo

Feijoada de crustáceos

Ódio remunerado

Fã-clube de bandido

Porre de angustura

Índio de bermuda

Buda sem bunda

Poeta tampax

Amor express

O belo amando o feio

O bem fazendo o mal

O muito transformado em pouco 

e vice-versa

Prazer misturado com suplício

O belo transmutado em nojento

A poesia-síntese 

garimpando

a sintaxe perfeita.


























                    meus sete pecados capitais

                      ( e o que eu preciso urgentemente mudar )




1. Me preocupar em demasia com o que os outros pensam de mim.

Foda-se os que me criticam ou julgam mal. Minha consciência

é meu implacável juiz. 


2. Tentar agradar todo mundo. Por mais que a gente faça, 

nunca estamos à altura das expectativas alheias.


3. Exigir demais dos outros. Cada um dá o que tem. O que

esperar do ignorante, do iletrado ?


4. Excesso de boa fé. Já não basta de quebrar a cara ?


5. Esperar por reconhecimento, respeito, reciprocidade.


6. Agir impulsivamente. Cansei de fazer merda por

conta de rompantes.


7. Expectativas exageradas. Nada como ter os pés no chão. 


 




 



                pare de encher o saco de Deus





Pare de encher o saco de Deus.

"Não pronunciaras o meu santo nome em vão", já esqueceu ? 

É um dos mandamentos que você teima em esquecer.

Pare de associar tudo o que lhe acontece à vontade de Deus,

cada um cava a cova de seu destino, para isso Ele nos

delegou o livre arbítrio, e cá pra nós, 

é muito comodismo

de sua parte deixar tudo nas mãos dele.

É patético ficar o tempo todo agradecendo, louvando,

como se as coisas boas que lhe acontecem sejam

uma dádiva divina, e automaticamente, uma prova

de que você é uma boa pessoa, sob a homologação 

do Altíssimo.

O que está longe de ser verdade, convenhamos.

Sob esta lógica falaciosa e facciosa, todos os poderosos, 

abastados e afortunados de toda natureza 

o seriam por deferência especial do todo-poderoso.

Não é por aí, claro. Mas é o que transparece desse 

tipo de discurso

religioso-louvaminheiro que muita gente professa.

Que não evita que a sorte mude, e desgraças e tragédias

advenham para todo mundo, basta dar tempo ao tempo.


Longe de mim desencorajar e muito menos 

desdenhar da fé alheia. 

Que cada um sente e exerce à sua maneira.

O que importa é neutralizar o estilo kamikaze de

de viver, excomungar a tristeza,

santificar a alegria.

O resto é heresia.








 


 










                                                     fulano de tal





Os ruídos da cidade rompem as litanias festejantes. 

A multidão obediente vai e vem, devidamente 

pautada e rastreada.

Ruminando causas perdidas.

Respirando o ar poluído da privacidade

vigiada.

No pleno gozo da liberdade sujeita aos humores 

de magistrados biltres.


A via modernosa trespassa-se no fio da navalha.

Qualquer descuido e a maionese desanda.

Do nada, a casa cai. 

Ao essencial averba-se o dízimo de pau e pedra.

Estraga-se a vida em excelsos jogos.

Dissolvida em desejos castrados e alegorias multimídias.

Desvirtuada por amores tortos, overdoses de funks 

do baixo meretrício.

A bulha dos inconformados exorciza os adoradores

de umbigo.


O tempo das verdades sonegadas guarda segredos 

enfurecidos.

Destextualizar a indignação coletiva inaugura a era

da pseudo-democracia.

Os paradoxos convivem naturalmente, até quando ?

O difícil desacomoda-se correndo riscos.

A incomunicabilidade é a trincheira da última bala.


Cúmplice de muitos e finos tratos, fulano de tal

rendeu-se a linguagem gloriosa e guerrilheira

da indignação recidiva, 

reconhecendo a dualidade de não sentir falta

do que não se vive sem.

Poderia ser alguém conhecido, alguém

entre inúmeras pessoas cuja existência ignoramos,

num tempo hipotético, de longos caules,

saindo do armário, nem doce nem amargo,

impregnado de valores abstratos,

o próprio proto-macho-moderno-hermafrodita

num rio de piranhas, morrendo de sede no

líquido amniótico, privado do sol da própria casa,

entre avencas, lírios, rosas, articuladas em tempos

difíceis, com fome de mísseis e amores putrefatos.


Um fulano de tal ungido e compungido pela palavra asfixiada,

avant la lettre a metafísica das loucuras, a fim de libertar 

o fogo trancado,

as cataratas de oceanos, em pleno exercício de remissão, 

para que as profecias se cumpram e os cardumes

de sardinha encontrem paz na pança das baleias.


Um fulano de tal que busca a perfeição que não existe, 

o entendimento que santifica o profano, saciar a fome que

alimenta a carne, despoluir o espírito do peso da salvação,

o alter ego mais cego que morcego, 

o candeeiro de estrelas cavalgando o olimpo, escassez ou

excesso, tanto faz.


Um fulano de tal que sonha partir desta para melhor triunfalmente,

perdoando a mágoa, liberto e reconciliado com as entristecidas

células, limpo de espírito, em paz com o Altíssimo, frutificado

sobre a terra o seu quinhão à criação, pronto para cumprir o

destino glorioso do Bardo Thödol. 


Que assim seja, AMÉM !   



















  



sábado, 11 de maio de 2024



                       gênesis e apocalipse




 

A salvação do planeta 

não tem data marcada,

mas o fim, sim, já faz

as honras da casa.


À beira do colapso,

alheia às causas e efeitos,

a força da natureza se antepõe

à luta pela existência.


Pesadelos à espreita, a radioativa 

ampulheta em contagem regressiva

emite os alertas, com a sucessão

de cataclismos de toda espécie.


Ergue-se o fênix dos ciclos da morte,

transmutado em egoica fraternidade.

Enquanto o gênesis e o apocalipse 

lacram o jardim do Éden.


  






              lembrando o que merece ser lembrado





Antes que eu esqueça de lembrar

o que tento esquecer,

recordo o que passou como pequenas

lápides às margens do destino.

Lembranças que estilhaçam o presente engendram

um existir e inexistir complexo.

Não que nada tenha valido a pena.

Não que tudo tenha escorrido pela sarjeta 

ou se perdido em roteiros imundos.

Debruço-me sobre meu passado como quem

se acostumou ao acostumável.

Elaborando circunstâncias próprias.

Escondendo-me atrás de pequenas fortalezas. 

Pregustando o amanhã possível consolando e sendo

consolado.

Lembrando o que merece ser lembrado.

O melhor e o pior encadeados.

Exaltação e rancor de vaginas cansadas.







quinta-feira, 9 de maio de 2024



                          causa e efeito



Água e fogo consomem a terra de encantos e temores.

À condição humana impõe-se as misérias de cada dia.

Leis que regem o universo ignoram o princípio e o fim do Verbo.

Só perduram no tempo as larvas que corroem os defuntos.


Não há nada de novo sob o antigo sol.

As infinitas variações de causa e efeito saturam-se

de séculos e estrelas.

Somos aqueles que emergiram do barro para profanar a Criação.

Confrontando a avara sorte a fim de evadir-se dos dias 

consagrados ao inútil.


segunda-feira, 6 de maio de 2024



                               de segunda a segunda




 


A vida se mascara e se revela

perto e longe de tudo. 

Andamos à esmo buscando saídas

dos embates que travamos dentro do peito.

Fiéis a crenças que emburrecem.

Aventurando-se em enlameadas lutas.

De segunda a segunda.


Elegias de cansaços enlaçam as cidades 

frias e cálidas,

acorrentadas as humanas labutas.

Criaturas inermes pululam, anestesiadas.

Esforços falsificados crescem soltos no asfalto.

De segunda a segunda.


Gente diferente de além-mar entoa

hinos de amor e guerra.

O drama da convivência dispensa tréguas.

O fulcro do tempo circular andeja 

em lúgubres responsos.

De segunda a segunda. 


Aqui e agora a história se repete.

Falta comida na mesa.

Falta esperança e alegria.

Falta tudo o que não pode faltar.

O mundo não se desvenda como

um palco quimérico.

Tampouco a vida se faz de rogada.

De segunda à segunda o bicho pega.








domingo, 5 de maio de 2024



                                    regresso





Saem os barcos para o mar, sabendo 

que podem não voltar.

Assim o tempo de Deus se põe-se de pé, 

veraz e inapelável.

Nele adentra o denso sol da tragédia, as vertigens luminosas

das devoções, o despertar entre os mortos. 

Que anoitecidas formas de ser conjuram o turvo

das águas dormidas ?

Alheio ao perigo, abrasam-se os anseios em meio

aos escombros cotidianos. 

Nada importa afora o clamor das privações.

Já não poder vencê-las sem provar o torpor exausto

dos desejos, eis o enfurecido repto.

Que olhos do mar espreitam os dibujos del puerto ?

Não mais que sempre se mostra o mundo partido, 

as âncoras da vida arrastando as sagas contratuais,

os monopólios da infância, 

as baldrocas oratórias. 

Saem os barcos para o mar sabendo

que podem não voltar.

Mas quase sempre voltam. 

Isente-se o coração quando o nítido rosto 

sem feições do amor 

regressa.

 



sábado, 4 de maio de 2024


                        a paciência da espera




Aprendemos assim, na marra.

Quem hoje ri, amanhã chora.

Não se trata de destino, sina.

É apenas a vida que peregrina.


Como dizem os falsos oráculos

e adjuntos, 

pombo e falcão não voam juntos.


Veio o verão sem sol.

Veio o plantio sem colheita.

Veio a negra indiferença.

Veio o amor sem esperança.

De que vale a vida sem o sorriso

de uma criança ?


O duro silêncio tudo acalma.

A palavra revisada emudece a mente.

O sujo e o feio de olhos esbugalhados.

A paciência da espera ignora

o terror da solidão.

O homem que tudo come

enche a barriga

mas não mata a fome. 


Tudo é falso até que se prove 

o contrário.

De nada em nada, il vento 

come fa se tace.

Vão-se as folhas, e recria-se o novo.

Vagos, risonhos, fátuos sonhos.







 



sexta-feira, 3 de maio de 2024


                             a fuga dos caminhos





O verdadeiro recria-se como um ovo.

Súbito, o sonho de Cervantes faz-se alto e real.

A fim de compor poemas cáusticos.

O remoto segue adiante surdo ao novo, articulando

esboços de mil mesclas.

Você protesta mas ninguém escuta.

Quer revidar mas não consegue.

Você está vivendo a vida de outros mas não

consegue mudar. Que merda, hein ?


Perdido na fuga dos caminhos, tudo se torna ausente 

sem quebrar.

Teu lamento abriga tardes antigas, farsas, falácias.

A ferida que não fecha, ignorada e pisada,

cala e consola.

Onde as nuvens rangem e os telhados choram

lutar é proibido.

Não há saudade nem temor no encanto de falsas sereias.

Sobre prebendas de incompreensões paira a poeira

dos desencontros. 

O que dizem de ti não importa.

Pior seria se não dissessem nada.








 

quarta-feira, 1 de maio de 2024


                                        exaltação do dia



Na exaltação do dia

Inverdades sinceras

Queimam as heresias

Acordam sonhos

Colhidos às pressas.


No dia perfeito

O adeus se despede

A doçura brota

De escolhas equivocadas

Coração vazio

De mansa vastidão.


Desejo frio

Desejo no frio

A cama vazia 

A noite em branco

Sonho ao contrário

Acordado.


Plenitude do tempo

Crinas de vento

Lentos entraves

Resgates despertam

A mente assassina

Descortina a memória.


Não procure a verdade

A verdade te achará.



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