sexta-feira, 24 de agosto de 2018

                       
           NADA MAIS, NADA MENOS



                   

nada acontece por acaso, ao acaso
tudo é sutilmente orquestrado
nascer, crescer, reproduzir e morrer
no ciclo natural das coisas
em que tudo se encere

nem uma folha seca cai da árvore
sem um propósito
esgotada sua missão, o papel que lhe é destinado
no conjunto da obra no qual somos todos
miseráveis e insignificantes
pois a vida segue sem se importar
com o que somos e o que possa nos acontecer
nada representamos, sequer o entendimento 
e a percepção dos mistérios do mundo nos é permitido
como meras partículas de energia e pó de que somos feitos 

meus irmãos, minhas irmãs, meus amados  
não julguem ninguém pelas aparências
não façam mau juízo de ninguém 
sem conhecimento de causa
não deixem que o ressentimento e a raiva ofusquem
a razão e o discernimento
posto que as aparências enganam
as palavras traem
ninguém sabe de fato
o que no outro vai por dentro
de que barro é o tijolo de que é feito

o que nos reserva o destino é o destino que fazemos
em opções e decisões que repercutem
pela vida afora
e pelos quais temos que responder 
arcar com as consequências
não culpar ninguém por nossos erros
não transferir responsabilidades
pois colhemos o que plantamos
nada mais, nada menos

  


quarta-feira, 22 de agosto de 2018

                                 HISTÓRIAS





Ouço histórias em toda parte.
Todos tem histórias para contar.
Problemas, dramas, confidências...
Nas ruas, nos botequins,
na fila do banco, nas redes sociais.
Que transformaram o mundo 
num grande confessionário,
em que a penitência é ouvir as mazelas alheias

Ouço histórias em toda parte. 
De todos os tipos.
Ninguém se peja de nada.
Soltam o verbo, abrem o coração, choram as mágoas.
Basta que alguém se disponha a escutar.
Ainda que ninguém na verdade escute.
Todos imersos e voltados para o próprio umbigo.
Todos carentes, perdidos, desesperados
por um ombro amigo.
Alguém para desabafar.
Falar das insatisfações que se avolumam.
Das agruras dos relacionamentos.
Das atribulações no trabalho.
Das contas que nunca acabam.
Das aspirações, dos sonhos sempre adiados...

Todos temos histórias para contar.
Fardos que carregamos e ansiamos
ter com quem compartilhar.
Ainda que quase sempre para ouvidos moucos.
Pois ninguém está interessado em ouvir.
Ouvem por ouvir, dão de ombro.
Entra por um ouvido e sai por outro...
O que era mesmo o que você estava dizendo ?

Há um senhorzinho no prédio onde moro que fala 
pelos cotovelos.
A voz tonitruante contrasta com a magreza de um junco.
Contou-me, todo ancho, ter 86 anos.
E que viuvou recentemente, depois de 60 anos de casamento.
Era para estar baqueado, depois de ver a mulher morrer
à sua frente, num ataque fulminante do coração, 
em pleno almoço dominical. 
"Não deu para fazer nada", lamenta, resignado mas altivo, 
enquanto espera na fila da padaria. 
Ter uma plateia para ouvi-lo, ainda que por um instante,
é tudo que ele precisa.
Uma plateia, por menor que seja,
que lhe dedique um mínimo de atenção.
Animado, seu João, que é como se chama, 
puxa assunto com um e outro. 
E quando não há mais ninguém,
sobra para os funcionários da padaria.
Que pacientemente ouvem as histórias de sempre.
Das quais sempre se riem, respeitosos, por reconhecer
o valor daquele velho que se recusa a esmorecer.
A entregar os pontos.
Como acontece com a grande maioria das pessoas.
Mesmo jovens que se cansam de viver.

Que figura, o sr João, com sua disposição invejável
e voz de barítono.
Que gosta de entoar arias e boleros
como já não se fazem mais nesse mundo banalizado.
Um mundo de histórias tristes, de lamentações 
e desgraças.
Uma pior que a outra.
Dramas pessoais, existenciais, 
privaçõesdecepções amorosas.

Histórias corriqueiras de vida que um enfarte, 
um câncer sorrateiro,
ou qualquer outra dessas fatalidades corriqueiras, 
transformam em ninharia.
Seu João que o diga...









segunda-feira, 20 de agosto de 2018

               
                   
                            
                               A RAÇA DOMINANTE


Quer magoar alguém ? Diga a verdade
Quer ser respeitado, amado ? Minta, finja, falseie
As pessoas não aguentam a verdade
Preferem se enganar, ser enganadas
É a raça dominante
O estereotipo dos desenganados
Que como bem disse o poeta
Preferem ser admirados pelo que não são
A serem ignorados pelo que são.

domingo, 19 de agosto de 2018


HUMANO



                       
O que somos no íntimo ninguém sabe
O que fazemos entre quatro paredes
é melhor que ninguém saiba
Todos tem segredos, medos, desejos inconfessáveis
E no entanto, nos arvoramos em julgar os outros
como se fossemos a palmatória do mundo
Quanta hipocrisia ! Quanta falsidade no bojo de tudo
Quanta incoerência naqueles que se insurgem 
e agem como se estivessem isentos de culpas e pecados
quiçá ainda piores daqueles que condenam

O que somos no íntimo só nós sabemos
E às vezes, desgraçadamente, nem nós sabemos
Cegos pela arrogância e vaidade
Escravo das convenções e aparências
Um mundo nos separa. 
Muros, desejos
Infâmias
Lágrimas de sangue
Pensamentos torpes
Hipocrisia
Somos podres por dentro
Pobres de espírito, e nem nos damos conta
Ter consciência disso nos faz melhor
Eventualmente nos redime
Sem precisar de perdão
Não precisamos do perdão de ninguém
Só de nós mesmos
Pois só nós sabemos de nós
De nossas motivações e fraquezas
Foda-se os falsos moralistas
Os donos da verdade
O que me sufoca é o que me liberta
O que eu tenho de melhor
É o que eu tenho de pior
Pois são minhas fraquezas que me tornam humano
É o que me permite seguir em frente
Acreditar, confiar, e amar, amar de novo
Mesmo quebrando a cara
Quantas vezes for preciso

Não, não busco a perfeição fingida
Não quero a afeição dissimulada
Prefiro o buraco no peito
O choro do arrependimento
A ilusão de poder ser feliz
Sendo unicamente o que eu sou
Como sou
Fraco, instável, inseguro
Humano...
   



   






os desmandos de viver



                      


Num dia a gente pensa que é feliz, que está tudo bem
e que há que ser grato por tudo.
No outro, vê que não é nada disso, que é tudo ilusório
e a vida é a merda de sempre.

Num dia a gente se sente animado e esperançoso,
feliz como pinto no lixo, 
com as migalhas que a vida proporciona.
No outro, cai na real e vê que tudo é frágil e precário,
e que o fiel da balança 
tem uma mórbida propensão ao malogro.

Num dia a gente se sente alegre e em paz,
com a alma leve diante do brilho radiante do sol.
No outro, as rotineiras decepções e rasteiras 
botam as coisas em seus devidos lugares.

Num dia a gente se sente forte e abençoado 
por ter pelo que lutar,
um amor verdadeiro, filhos queridos.
O ganha-pão que dá para o gasto.
No outro, o castelo de areia desmorona,
e as armadilhas do cotidiano escancaram 
a face perversa e dolorosa 
das relações dilapidadas pelo tempo.

Num dia a ilusão de que, apesar de tudo,
os sacrifícios, renúncias e provações valeram a pena.
Que o mais importante é estar com a consciência tranquila
por ter feito o que achava justo e correto.
No outro, a amarga constatação de que nada satisfaz
as expectativas e exigências de pessoas
que só te dão valor pelo que pode proporcionar.

Ninguém dá conta dos desmandos de viver.










sábado, 18 de agosto de 2018

                        A propósito de tudo


A propósito da vida que tivemos
De tudo que vivemos e não satisfez
De tudo que podíamos ter feito e não fizemos
Eu mais do que tu, tu menos do que devia
Tu cansada, eu saturado
Ambos resignados como gado rumo ao matadouro

A propósito de tudo, vagamos à esmo
Chegamos a lugar nenhum : o passado já não conta
Foi-se o que não imaginamos que se fosse
Por quê, culpa de quem, já não importa
Acabou, simplesmente
A propósito do enredo de sempre
A propósito, de propósito, sem propósito
Burlamos os próprios sentimentos
De não termos um propósito maior
Despojados de uma vida que valha a pena
Como um barco à deriva, adernamos
Sem terra à vista, naufragamos.







INTERMEZZO







Cai a tarde, e tudo se faz tarde
O amor que se teve
A paz que se perdeu
A vida que se tinha

Tudo se foi, tudo perdido
Como uma paisagem que passa
Além do horizonte
Ao cair da tarde
No intermezzo da vida... 
   

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