sábado, 7 de setembro de 2024

                     

         dor de consciência é para os fracos





As perdas são uma constante na vida.

Ninguém perde (nem ganha) por esperar.

As dores não se mensuram.

Cada qual com seu jeito de lidar.

O tempo traga os afetos entrelaçados e fraternos.

O sangue coagulado de nossa genealogia nos exime de culpas.

Somos geneticamente programados para tudo de bom

ou de ruim.

A vida racha e descamba sem aviso prévio.


Ungidos por um legado mais antigo que o tempo,

migramos entre o céu e o inferno 

em busca de minorar o sofrimento.

Poucos conseguem.

Poucos subsistem aos infortúnios sem sofrer sequelas.

Não depende de nós torcer o curso do destino.

Sequer cogitar que tristeza e sofrimento sejam fruto 

de mau comportamento.

Não tarda para alguém minimamente inteligente

concluir que, neste mundo,

tudo existe e acontece aleatoriamente.

Prova disto é que por maior que seja a obra

e o humano sacrifício,

a carne morre e a matéria fica.


Dito isto, francamente, nada mais tolo do que sentir-se

desvalorizado ou injustiçado, 

por ser, simplesmente bom e honesto.

Pois nada de bom existe que não tenha o seu 

lado ruim.

Todos os nossos atos estão sujeitos ao juízo 

arbitrário de alguém.

Não se culpe nem se prive de nada em função

de escrúpulos morais, que desvirtuam 

o sentido do que é certo e errado.

Não faz sentido dar crédito a tudo 

que aos prazeres se oponha. 

Dor de consciência é para os fracos e abduzidos

pelo hipocrisia do senso comum.

Todo mal que nos assola provém de conceitos distorcidos

e meias verdades.

A noção do pecado existe basicamente para se opor àquilo

que desejamos.

Ou seja, aos prazeres da vida.

Nem sempre puros, honestos.

Mas, afinal, a vida é suja, e como pregava Santo Agostinho,

"se há alguma coisa que é pior ainda do que o vício,

é o orgulho da (falsa?) virtude".


Os homens inventam leis, modificam à vontade os códigos, como

saber o momento preciso em que nossos atos passam da inocência 

ao crime ? (Anibal Machado).



 


 





                            o galope cósmico




                                       1.

No horizonte de nuvens desoladas, onde os sussurros 

se misturam a bruma, um cavalo cósmico galopa, 

sem patas, sem rastro, sem rumo.

Seus olhos são janelas de auroras, refletindo 

o cosmos invertido, em que estrelas caem para cima, 

e luas nascem no céu retorcido.


O tempo assim se dobra em espirais, enquanto 

relógios derretem em longos suspiros, e o vento conta 

histórias de mundos insones e profundos.

Mãos gigantes brotam da terra, segurando sonhos 

como flores efêmeras, e os dedos se entrelaçam tecendo 

tramas etéreas.


Árvores com folhas de vidro povoam 

os jardins da memória, abrigando rituais de sacrifício 

e pássaros que voam com asas de papel.

Num deserto em que chove areia e dunas sussurram 

segredos antigos, um espelho enterrado reflete miragens 

e delírios amarrados com cordas celestiais.


O viajante de alma perdida se olha no espelho d`agua, 

e vê um rosto que não é seu, mas de um sonhador 

com olhos cansados.

No jardim dos sentidos confusos, flores desabrocham 

em silêncio e borboletas voam à esmo, para que nada 

perturbe a paz dos jazigos.

Lá, as lápides não tem memória, e o silêncio fala 

línguas esquecidas, para que o finito se torne infinito.




                                                     2.

No incomensurável salão do universo, estrelas 

e planetas dançam sem gravidade nem destino, girando 

em sentido inverso a fim de burlar o tempo.

Nebulosas se entrelaçam em nuvens de gás e abraços cósmicos, 

e cometas traçam rotas fugazes no vazio do sonho galáctico.

No centro de um labirinto espelhado, cada reflexo 

é uma porta para um outro mundo, onde o chão é o céu, 

e o céu é o mar, 

enquanto a realidade arcana desmorona a cada segundo.


Passos ecoam em corredores infinitos, sussurrando 

segredos em dialetos secretos, enquanto o viajante 

se perde da realidade sem nexo.

Na praia onde o tempo é melodia e as ondas tocam 

acordes perenes, as marés compõem sinfonias que ecoam 

nas profundezas eternas.

Nas areias do tempo, ondas entoam canções cifradas, 

em mensagens que só os cardumes entendem.


Nas cidades de aço e concreto, em que ruas e praças 

são palcos de atores itinerantes, os dias passam 

impregnados de súplicas e dramas sem fim.


Pilhas de mortos nos becos e calçadas distraem 

os transeuntes, enquanto cabeças decepadas não param de falar.


              No teatro da mente encena-se de tudo, somos todos 

              marionetes sem rosto nem identidade, puxados 

              por fios invisíveis que pregustam o inexistente. 


Cortinas se abrem e se fecham em sessão permanente, para 

que o grande show itinerante da vida possa continuar.

Atores e tramas se sucedem ad infinitum, e o final nunca é bonito. 


Sonhos dobrados como origamis voam leves 

nas asas do subconsciente, permeados de desejos ocultos, 

que pairam suaves na mente dormente.

Cada dobra é um segredo bem guardado, cada linha 

um desejo reprimido, incrustrado na imaginação 

como diamante bruto.


O limiar do impossível desperta o ser profundo, onde a lógica 

desaba e o absurdo floresce, para que a mente 

em liberdade plena invente mundos que a razão desconhece.

Mundos que nascem de ideias abstratas, desejos que fluem 

em pensamentos proibidos, em cenários pintados 

com tintas da imaginação, eis o suprassumo da inspiração.


                 Sou um ser de luz e sombras, que vaga na fronteira   

                 entre o real e o imaginário, fazendo da poesia 

                 um portal de sonhos e fantasias.


Minha mente inquieta abre portas sutis, e com a razão 

e o coração em consonância, busco o impossível, o improvável, 

o incerto. 


                                            3.

 



No jardim dos amores perdidos, rosas de cristal florescem, 

cada pétala guarda o perfume das paixões que nunca envelhecem.

Borboletas de luz dançam no ar, trazendo mensagens 

de amores antigos, enquanto o vento murmura 

canções de saudade e corações partidos.


No peito dos amante bate um coração analógico, cujos 

ponteiros marcam horas de louca paixão e desejos intensos, 

e cada beijo, cada abraço, reverberam fora do tempo.


No céu noturno de amores partilhados, as estrelas 

agasalham desejos secretos, enquanto a lua, testemunha 

de tantas juras e promessas, sorri em seu brilho suave e eterno.


Sobre um rio de memórias fluentes, uma ponte de suspiros eternos 

se ergue, onde amantes cruzam em passos leves, 

deixando para trás desejos indeléveis.

Cada pedra da ponte é um conto de amor que resiste 

ao tempo, enquanto o rio segue seu curso sinuoso 

e indiferente. Como a vida.


                  Na biblioteca da vida, livros contam 

                  histórias de mundos distintos e distantes, 

                  repletos de enigmas e intrigas, 

                  em narrativas que nunca acabam.


No mercado das sensações vende-se emoções em frascos, 

perfumes raros de memórias antigas, saudades embrulhadas 

ao gosto do freguês.

Vendedores de ilusões oferecem poções de risos, 

alegrias, elixires de sonhos e outras magias. E tudo mais 

que não se pode comprar.


Sonhei que me vi no fundo do mar, onde um polvo tocava 

um piano com teclas de pérola, enquanto

cardumes de peixes  bailavam em círculo, ao som 

das notas líquidas e vibrantes, quando, de repente, 

as águas se turvaram, tudo escureceu, e eu acordei. Todo molhado.


No parque de diversões cósmico, um carrossel percorre as 

estrelas, rodas gigantes giram no espaço, montanhas russas

 galgam constelações etéreas.

Crianças de planetas distantes brincam no grande parque

galáctico, onde a vida não passa e a diversão nunca acaba.



                                                        


 














quinta-feira, 5 de setembro de 2024


                   a miséria humana





Estaremos prontos para o que der e vier ?

Nem hoje, nem nunca, ninguém nasce pronto.

Reze para que as esperanças não se enfureçam

diante dos desejos impuros.

Torça para que as pontes não desabem sobre o leito

dos rios entumecidos.

O dilúvio eterno lava a realidade efêmera que escorre 

das sarjetas.

O poder que escoa das latrinas e fossas absorve

inocências perdidas sujas de êxtase.

O inescrutável guarda o segredo dos estupros.

A dança desvairada da terra acalanta os ventres

onde as medusas apodrecem.

Deixa tua alma repousar no leito inocente das prostitutas e

prostituídos, para que a paz te alcance, imunda.

A miséria da condição humana se esboroa 

sob o peso da pureza pervertida

dos anjos exterminadores.

Diante das vistas complacentes do Criador.



segunda-feira, 2 de setembro de 2024


                          para ti e por ti




tela de Mark Ryden 

 


Colmeias histéricas se esmeram em colecionar façanhas.

Acusador e acusado trocam de lado, assim que extinto

o ônus da prova.

Cada fruto segue a verdade e a mentira com a mesma devoção.

Não há bem-aventurança na gravidez dos espinhos.

Palavras obscurecem o entendimento.

A dor desconhece a prece dos mortos.

Poças onipresentes velam esperanças afogadas.

Entre quatro paredes a loucura disfarça a realidade

cancerosa.

O mistério da vida inventa histórias e as desmente.

Toda mudez será perdoada.

Me vejo vagando entre cabeças cortadas e jihads  

sem sentido.

O truque é não levar nada à sério.

Promessas puxadas por carruagens de outrora zelam

pela existência cega.

O ser humano é carcereiro de si mesmo, quando

se priva da liberdade.

Todo sacrifício sabe de onde veio, mas não sabe se volta.

Para ti e por ti, o efêmero dispensa o eterno. 

Nada tema, a morte a todos espera 

de braços abertos.




 

domingo, 1 de setembro de 2024


                 em memória



Meus dias certamente seriam mais felizes com você.

Poder acordar a teu lado, sentir o teu corpo quente 

e envolvente que tão bem conheci.

Voltar a desfrutar da dedicação, do carinho que sempre me deu.

Sendo eu, em contrapartida, mais compreensivo, paciente, 

mais atento as tuas demandas e necessidades.

Em suma, ser melhor do que fui. Muito melhor.


Sinto imensamente tua falta e lamento por ter acabado

do jeito medíocre 

como os relacionamentos acabam.

Sempre achei que estávamos acima disso.

Sempre achei que você jamais me abandonaria.

E caí do cavalo.

E nem foi minha deplorável traição foi a causa maior.

Isso você até perdoou, fez vistas grossas.

A causa maior foi não ter levado à sério

tuas carências e expectativas.

E, sobretudo, não ter sabido lidar com 

o natural desgaste das relações com mais sabedoria.

O que competia muito mais a mim, pela própria

diferença de idade.

Meus dias certamente seriam mais felizes 

com ou sem você.

Se ainda estivesse viva.
























 

sábado, 31 de agosto de 2024


             o alfabeto dos sonhos




Outro recomeço, digam-me, sábios de plantão,

por onde começo ?

Como trocar o ausente pela existência do que

ainda não existe ?

Se o que mal terminou ainda é banquete farto 

para lobos e hienas ?

Digam-me como costurar as linhas do tempo 

com as agulhas do perdão ?

Como convencer as sepulturas a reviver os mortos ?

Como reconstruir as pontes queimadas,

convencer as mãos da luxúria a soltar às rédeas ?

Como trocar o que fui pelo que quero ser ?


Recomeçar é mais difícil do que começar.

Não há mais margem para erro.

O barro dos recomeços é feito de despojos delicados

e cadáveres perfumados.

A busca por um lugar em lugar de outro é como convencer

o relâmpago a dançar a dança do trovão ( segundo o poeta

Adonis ) *.

No entanto, é preciso recomeçar. 

Convencer-se de que é capaz de reescrever

sua história.

O alfabeto dos sonhos não se desaprende.



* Ali Ahmad Said Esber, poeta árabe.



 



       assim tão pouco, e muito !



Tenho fé mas não creio.

Creio mas não confio.

Não faço mais parte dessa trama.

Ainda durmo de pijama e mesmo já não crendo,

rezo antes de dormir.

À quem rezo então ?

Sei tão pouco de mim, como vou saber ?

Desentendo tudo o que aprendo.

Mas já me dei conta que é difícil morrer

quando se quer morrer.

Do contrário, já teria partido desta para melhor (?).

Deus sabe o que faz, é o que dizem.

Assim tão pouco, e muito !





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