terça-feira, 31 de dezembro de 2024

                             

                  moinhos de vento





Nuvens cansadas vagam pelo céu indeciso.

Chove ? Faz sol ? Pouco importa.

Redemunhos de sombras galopam com destino opostos.

Pedaços de lucidez forjam a vida itinerante.

Despojos de mim inventam o mundo 

de moinhos de vento.


Envelheci arando o tempo renascido de si mesmo.

O mundo é grande mas nem tanto.

O contrário do contrário reformula os opostos.

Nunca fiz uma seresta à luz da lua, mas tenho lágrimas

de amanhecer nos olhos.

A dor antiga mitiga os lamentos miríficos.

O que sobrevive ao mundo de imundície e miséria ?


Coisas invisíveis preenchem os vazios ( e, eventualmente, 

os bolsos).

Rompe-se o invólucro das façanhas retroativas para a 

continuação da vida que não existe.

Por todos os cantos porejam versos mudos e parábolas

inconclusas.

O tempo porvir é o mesmo que medra gerânios de antanho

e peixes-anzol. 

Gente de cascos nas costas rasteja à margem dos dias,

como se fosse a única alternativa.

À sombra do infinito, como o tanger de uma estrela.

 


domingo, 29 de dezembro de 2024

                         

                           sem endereço, nem destino




  

A vida se liquefaz em brevidades.

Em tudo o que o homem toca, destrói, encanta,

nada mais será como antes.

Quem ousa falar sobre as coisas sem nome, sem endereço,

nem destino ?

Afinal, não há um dia sequer sem deslumbramento e dor.

Quem ousa perscrutar a intimidade das coisas,

diante do eterno conflito entre matéria e espírito ?

Concilia-los requer a sabedoria dos vagalumes, dos monjolos,

dos caminhos "de não sei" das pequenas cidades.


Pois que assim seja a poesia.

Profunda e profusamente entrelaçada 

com o reticente infinito.

Juiz das causas naturais, revirando os caminhos,

esculpindo palavras que deem sentido 

a angustiante aventura de viver.


 

sábado, 28 de dezembro de 2024

                             metapoema





Meu metapoema é feito de moléculas radioativas.

Sem régua, sem simetrias, dispensa rimas e idiossincrasias. 

Perambula por caminhos forjados entre pocilgas 

e restos de desencantamento.

Flui deixando rastros compassivos e amorosos, a moendar

gramáticas escalavradas no pilão da solidão.


Meu metapoema é engenho de uma polia só.

Madeira de bater em doido. 

De lucidez condensada em canteiros de vento 

e instigâncias vãs.

Faz-se entender como pequenas encostas de rochas

escarpadas.

Formulando compêndios sobre o nada.

Engalanado para um mundo de cegos.


Meu metapoema percorre as formas possíveis

à procura do fio da meada existencial.

Debatendo-se como um besouro na noite mal-iluminada.

No desinventar da beleza, buscando

deslindar o incompreensível.

Entredevorando-se no cio da rotina.


Meu metapoema assume todas as formas e nenhuma.

Serenando sonhos invencíveis.

Quebrando lacres de inocência, cingido por quimeras

esfarrapadas e males incuráveis. 

Amaldiçoado por palavras que não

atingem seu fim.






                    nunca é tarde para amar





Nunca é tarde para amar

mesmo não valendo a pena

mesmo não dando em nada

nunca é tarde para amar.


Vindo de radiantes nãos

enxertado de frutos jocosos

recriando mentiras de mil faces

talhado à mão, podre por dentro

tateando palavras clandestinas

calcado nos lapsos da memória

perdido mesmo antes de nascer.


Não importa, 

há amor para todos os gostos

mesmo não valendo a pena

mesmo quebrando a cara

mesmo não dando em nada.

Nunca é tarde para amar.


Mas não sejamos tão exigentes

Só porque às vezes nos sentimos 

entediados e tristes

Por termos um temperamento difícil

Ou sermos muito inteligente...







sexta-feira, 27 de dezembro de 2024


                           o último suspiro



Abeirando abismos, gritos de âmbar coagulam 

idiomas perdidos. 

Entre o consentido e o desfeito,

os despojos empreendem 

novas jornadas.


A primeira morte desencarna as crenças.

A floração dos gritos desmistifica os prantos.

Renega os ideais.

A cada renascer, a face túrgida do amor desmascara 

o ímpeto suicida.

A vida subsequente se renova dentro da vida.

Fora de nós, as fronteiras do possível se abrem

saboreando seu sal de conflitos.


O sorriso alado a tudo transcende.

O filho amado, o andar descalço no barro,

os aromas esquecidos,

saudades do mundo bafejam cavalos, locomotivas.

O último suspiro de um tempo que não morre

entranha o líquen das profecias.

Para deixar belo o dia da partida.


quarta-feira, 25 de dezembro de 2024


                                      seres e coisas




Os seres e as coisas se pertencem, imantadas 

de um saber que transcende o entendimento.

Fatos e fatores se aplainam,

acorrentados à arquiteturas corrompidas,

repletas de mãos inúteis.

Do canto mais remoto 

emerge anjos de armaduras espúrias, 

exalando antros de perdição.

Farsas inventivas entendem-se sem se ouvir,

a despeito das hastes fracas e voos às avessas.


Faço versos porque as palavras se prestam 

a qualquer propósito.

Não sou triste nem alegre, sonho a vida

beirando os extremos.

Distante de qualquer casa, qualquer terra,

enquanto o mundo se desintegra.


O cio pavorosa de seres e coisas

encarna a ausência de crime.

Na normalidade doentia do ciclo evolutivo,

nada é tão efêmero que não possa perdurar.

Nada além dos vícios.

Das sevícias.

Dos artifícios.

Um instante basta para entender a vida.

Tudo o que o entendimento consente é válido.

Mas a tessitura do amor é delicada.

O vaivém dos desejos devora os desfechos, para ampliar

as fronteiras das abstrações.

Seres e coisas caminham lado a lado

por alamedas opacas, à mercê do olho ciclópico

do imponderável.   





  

   

domingo, 22 de dezembro de 2024



                      sublime danação



Perdido de mim, aspiro o que remonta 

a meus destroços.

Das vagas inconstantes da memória, componho 

labaredas de céu e extinta soledade.

Meu presente é um presente que se desfaz 

em indecisa dismorfia.

Uma altivez sem destino nem história

é minha glória tardia.

Me divido entre a lucidez e a cegueira

de querer o que não posso (ser) ter.


Meu tempo lentamente se esgota.

O coração bebe o fel de seu amoroso aconchego.

Nem pareço mais eu.

Quem fui, ausentou-se sem eu sentir.

Quem sou, um arremedo de quem quis ser.

Não obstante, louvo a sublime danação desse tempo 

passado a limpo, liberto  

de uma pena maior.

Me conforta o lúdico renascer 

em que findo, 

a laborar a fuga das estreitezas do mundo.  




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