segunda-feira, 19 de maio de 2025

                   mulher objeto


Amo a vida, apesar de tudo

Amo tudo que é mudo, infecundo,

e até o eventualmente imundo.


Amo o obscuro, o que refulge no escuro.

Não necessariamente belo, muito menos puro.

Apenas e tão somente, humano.


Amo o imprevisto, o improvável.

O obsceno, o ordinário.

E acima de tudo, o palpável.

O que pode ser comprado

por um preço razoável.


Amo você, mulher objeto.

Sem dono, sem disfarces.

Sem margem de erro.

Fiel ao lema

que é dando que se recebe.






domingo, 18 de maio de 2025



                               inventário



Há coisas que nunca se esquece, 

nunca passam.

Coisas boas e ruins.

Somos o que somos em função delas.

Dos guardados. 

Do que passamos, do que fizemos

o quê disso resultou.

A soma de tudo, mais do que passado,

sempre presente, como um inventário onipresente

e onisciente, velando os dias, de haustos e claustros. 

Esperando que os restos de desesperança rompam

o zelo dos pactos.

Para sobreviver as coisas boas e ruins

que nos cegam.








segunda-feira, 12 de maio de 2025



Deve-se perdoar quem nunca pediu perdão ?

Deve-se desculpar quem nunca se desculpa ?

Deve-se amar quem não sabe retribuir ?

Deve-se ser bom com quem não merece ?

Que apreço merece o ingrato, o egoísta, o narcisista,

o sociopata ?





                remoendo silêncios



Tudo se cumpre ao sabor dos acasos e descuidos.

Tudo o que tenho, o que faço ou fiz,

vive se equilibrando

remoendo silêncios

colhendo rosas de fogo

compondo cenas de amor que pedem bis.


Busca-me um instante de calma

em meio as escaramuças e paroxismos de praxe.

Na vida sem justiça, sem amor,

sonha-me o refúgio dos pássaros, 

a paz dos muros de cercas eletrificadas.

Busca-me o que restou de mim

entre canteiros de aprazíveis oferendas.

Regozija-me o vago transitar das coisas fungíveis.









                    o canto do cisne




Perdi o amor verdadeiro algumas vezes.

Hoje me contento com qualquer quebra-galho.

Nunca estive pronto para amar.

Sempre pus tudo a perder.

Todo amor que dei

me fez mais mal do que bem.


Agora não me arrisco mais.

A menos que encontre alguém que sofra

por mim.

Meu coração cansou de sofrência.

Depus as armas da beleza.

Foi-se o tempo de escrever poesia, das bebedeiras,

dos rompantes.

Hoje quero paz e calmaria.

Amargo meu calvário amoroso 

como um santo devasso. 

Enquanto ensaio meu canto do cisne.



sábado, 10 de maio de 2025




janela para o nada







Às vezes me pego

pensando nela.

Sem querer, querendo.

Porque as lembranças de um 

grande amor

com o tempo superam a raiva.

A longo prazo tudo arrefece.

Amor e ódio.

Ódio e amor.

Forças antagônicas que se misturam,

acabam se neutralizando.

E o que sobra é um misto de mágoa

e melancolia que

não consta no dicionário.


Desde que te perdi, minha vida é uma janela 

para o nada.

De onde me refaço contemplando

o inexistente.

Meus dias, feras enjauladas, tateiam a superfície

dos sonhos desfeitos.

A nova realidade  se redescobre pouco a pouco,

entre iluminuras e novos afetos.

Precisei desaprender tudo o que sei

de mim, para refazer meu caminho.

O mesmo caminho, porém com um novo jeito

de andar.

Mais precavido e perto dos meus longes.



quinta-feira, 8 de maio de 2025



                       fogo amigo 



Dor que não dói

Fogo que não queima

Querer que não satisfaz

Fome que não sacia

Vontade que não passa

Sempre querendo mais e mais.


Cansaço que não cansa

Doçura que não enjoa

Paz que não acalma

Saber que não basta

Apego que não esmorece

Sempre querendo mais e mais.


Desejo que não evola

Gostar que não se controla

Sonho que canta em voz alta

De tudo é capaz

Deslumbrado e corrosivo

Desconhece limites

Cuida, maltrata,

faz e desfaz

Sempre querendo mais e mais.


Remédio sem bula

Ultrapassa a beleza

Trapaceia com a sorte

Costuma ser lindo enquanto dura

Mas também um inferno quando acaba.

Amar é para os fortes.



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  A gente tem um vício estranho em transformar sofrimento em mérito. Acreditamos que o amor verdadeiro precisa ser uma batalha épica, uma co...