sexta-feira, 3 de dezembro de 2021


                  os inimigos





Os inimigos estão por toda parte. Criminosos, psicopatas,

golpistas, ressentidos, a fauna é grande.

Cruzamos com eles a toda hora, em todos os lugares.

Até os mais improváveis. Às vezes na própria cama. 

São criativos em seus disfarces. São exímios atores.  

Podem ser afáveis, aparentemente normais, 

inofensivos.

Mas não se iludam, são como feras enjauladas, bestas 

empanzinadas. 

Traiçoeiros como cobras peçonhentas.


Filhos dos dias de sombras coaguladas, 

caminham sem rumo nos asilos da alma.

Sujos e denegridos, chafurdam em seus próprios

estreitos labirintos.

Ferem como o mundo fere as feras.

Crânios carcomidos por vermes que matam a pureza,a paz, a liberdade.

Matam o Homem, 

a si próprios, 

ao deixarem de ser humanos.

À imagem e semelhança do Criador.







 

segunda-feira, 29 de novembro de 2021



                                                 a mãe de todas as dores





De repente, o luto.

O luto que a tudo transcende.

Às tolas prevenções.

Às escolhas equivocadas.

Aos mal-entendidos.

Aos rancores, os passos erradios.

Luto que tripudia do orgulho besta.

Que reduz tudo à cinzas.


O luto é o soco no estômago.

O despertar tardio.

O vazio diante do despenhadeiro.

É o mundo do avesso.

É o avesso do avesso.

O exílio forçado.

É o medo que enclausura

a banda podre do tempo.


O luto é a mãe de todas as dores.

Luto por um filho, pelos pais, pelo país

permanentemente enlutado. 

Luto por aqueles que nunca mais veremos.

Pelo que nunca mais teremos.

O que pode ser mais terrível ?

Saber que nada será como antes.


Luto, luta que nunca acaba.

Luta para esquecer, para superar, seguir em frente.

Para quê ?

Descubra você !















                            peixes cegos




A maldição de Sísifo nos persegue.

Nada podemos reter. Nada é nosso, tudo é transitório, 

ilusório. 

Mesmo os afetos são como peixes cegos que nadam

em círculos, 

marchetados de corrompidas arquiteturas.

Há que sopesar a vida. Não ter medo de abraçar

o inimigo. 

Abster-se das infâmias, traições, egoísmos.

As altas torres do exausto coração um dia desmoronam,

em desocupados e cotidianos roteiros que zombam da morte.

Longos braços afeitos a adeuses 

acolhem a solidão que é de todos.

A fé em ruínas, refeita na dor peregrina,

lava o tempo terminal.

Vivemos para enterrar nossos mortos.

Até que a maldição acabe. 

No descanso eterno. 

  

  





 

sábado, 27 de novembro de 2021



               

       benditas sejam as dores que humanizam.




 

Todas as coisas são mais reais banhadas 

em velhos sais de sofrimento e melancolias.

Dor e privações humanizam. 

Benditas sejam, pois, não obstante indesejadas.

Mesmo as mais insuportáveis, de roteiros abandonados.

Desde que indeferida a eternidade, 

arrastamos nossos corpos entre adversidades

que engrandecem.

À espreita do reinado da treva e do caos interior.


Morte e renascimento andam lado à lado.

Onde há destruição, abrem-se novos caminhos.

No ciclo inexorável das coisas, louvada seja a luta sem glória.

O poder das frustrações cotidianas.

Lições que não ensinam na escola.

Que cada um aprende à sua maneira.

No amor ou na dor.





 

sexta-feira, 26 de novembro de 2021



           o amor que te coube matar





Vejo-te agora como se fora outra.

Bela e frágil como uma flor que quebra na haste.

Andamos tão longe e nos separamos.

Dispersos na distância em que tudo é saudade,

Vimos morrer o amor que te coube matar.


Já nada me pesa.

Nem teu coração de pedra.

Cujos segredos, 

hoje, despetalados, 

nosso amor profanaram.






quinta-feira, 25 de novembro de 2021



                            livre-arbítrio





Viver em busca de aprovação

é viver pela metade.

Ensinam-nos  a obedecer, seguir as regras.

Impõe-nos metas e obrigações como se fôramos

peças de uma engrenagem.

Que é o que realmente somos !

Em alguma engrenagem nos encaixamos.

Até nos tornarmos totalmente obsoletos.

Ah, fim mais triste não pode haver.

Definhamos, apodrecemos por dentro, nem sombra 

do que um dia fomos.

Todo ser humano deveria ter direto à eutanásia.

Para que serve o livre-arbítrio se nos negam

o direito de morrer dignamente ?



  

terça-feira, 23 de novembro de 2021



                      sem pressa





Para onde vão os mortos ? 

Para lugar algum, provavelmente.

Reencarnação ? Vida após a morte ? Tudo especulação.

Certo mesmo, é que ao pó voltaremos.

Já a alma, se é que exista, sem os prazeres da carne,

que espécie de Paraíso habita ?

Nada haverá de salvar-nos de cumprir 

o rito inapreensível.

A última morada é a do esquecimento que purifica.

O rosto que vejo no espelho não é o meu.

É das tantas máscaras que usei.

E que agora, para nada servem.

A grande aventura engendra auroras e crepúsculos

ensanguentados.

Não há um só dia que não possa ser o último.

Ou o primeiro.

Na cíclica trama de ferro e de cristal,

somos os que se vão.

Para onde ? Não tenho pressa em saber.







 

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