segunda-feira, 13 de março de 2023



               inteligência emocional





Às vezes me faço de bobo.

Às vezes me faço de cego.

Só não consigo dar uma de surdo. 

Muito menos de mudo.

Aí ouço, reajo, e ponho 

a boca no mundo










                  a aureola das virtudes




                

Difícil manter-se íntegro.

Difícil manter-se sóbrio.

Difícil manter-se fiel, limpo.

Difícil, quase impossível, não perder a fé,

ante tantos desatinos, diante de tanta sujeira,

num mundo que soçobra,

forjando vestes, carcomido por vermes,

crivado de lúbricas taras.


Difícil, dificílimo impor-se sem a falsa 

aureola das virtudes.

Difícil não ser hipócrita, diante de tanta hipocrisia.



domingo, 12 de março de 2023



                   ENCURRALADO





Encurralado.        

Sem saída.

Quem nunca se viu à beira do abismo,

sem opções, tudo desmoronando,

sem tábua de salvação ?

Normal. 

É a vida, irmão.

É a vida que em dado momento desgarra,

mostra as garras, pune, sangrando as entranhas do nada.


Quem nunca se perdeu em culpas sem culpa ?

A vida pequena soterrada de causas impossíveis 

e sonhos desfeitos ?

Quem nunca se viu na solidão mais ampla,

em meio aos pensamentos mais sinistros,

sem saber mais quem é quem ?


Ah, se tu soubesse as estranhas alquimias do cérebro. 

O quão confundem, 

ofuscam a visão para as coisas mais simples.

Não há vida sem percalços. 

A existência abandonada se recompõe na gênese de antanho.

Não importa o que digam ou aconteça, somos pontas

do mesmo laço.

Na abundância ou na falta de tudo, o mesmo cansaço,

irmão de luta,

abraça o momento misterioso e profundo.


Nada nos cura do tormento e da angústia.

A não ser reagindo.

Desafiando os estigmas.

A resposta para tudo está em nós mesmos.

Naquilo que queremos, naquilo que deixamos

para trás. 

Esteja certo, após a noite mais escura o sol brilhará.

A vida bêbada e louca te espreita.

Desfruta.

Antes que se veja encurralado.

Sem saída.






















 



                      acordes dissonantes





                           "A arte e o amor devem exprimir, e não explicar" 

                            (Radindranath Tagore/1861-1941)



Se todas as cartas de amor são ridículas, como 

nos assegura o grande poeta lusófono, o que dizer dos 

tresloucados versos escritos 

sob o eflúvios da paixão desenfreada,

inebriados pelos momentos prazerosos

que só o idílio amoroso é capaz de proporcionar ?

Tolos ? Patéticos ? Ridiculamente sublimes ?

Provavelmente isso e muito mais.

Emergidos do fundo d`alma, amálgama de todos 

os sentimentos, 

o discurso amoroso, seja qual for, 

não concebe comedimento ou meias palavras.

Não se importa em ser tolo, patético, ridículo.

Que é exatamente o que o amor é.

Pleno de acordes dissonantes.



















 



 




sábado, 11 de março de 2023



De tudo,

guardo pequenos sonhos,

medíocres anseios,

flores petrificadas à jusante da vida.


Dela, já não há lembranças

que valham a pena lembrar.

A dor esmaeceu, fechei o caderno e lá

ficaram os versos 

que hoje só me causam pesar e vergonha.


De tudo, 

levo comigo uma imensa e profunda

tristeza,

pelo desengano maior e mais atroz

que a vida nos pespegou. 

Um amor com o mais indigno fim.


De tudo, 

nem saudade restou.









                            é preciso crer





No entanto, é preciso crer.

Crer para não morrer por dentro.

Definhar na solidão das águas estagnadas.

Em meio ao inferno das ideias

e sentimentos corrompidos.


É preciso crer para manter um mínimo de fé 

nos seres, 

nas coisas que teimam em não dar certo.

Tentando e tateando os arabescos 

das surpresas compostas de completa humanidade.

Crer para manter a sanidade mental.

Para não ser um simples animal, que vive

apenas para sobreviver.


Sim, é preciso crer. Mesmo contra 

todas as probabilidades, os riscos de se arrepender.

O humano espírito inquebrantável assim o exige.

Buscar as antigas sementes, o âmago da jornada,

para ser tudo o quer quiser ser. 

O velho amor renovado em mãos antigas.

Olhos cansados refletindo a fé que remove montanhas.


Crer para exorcizar os demônios.

Para plantar e colher dias maduros e risonhos.

E o derradeiro verso,

no tempo adverso ou de bem-aventurança,

possa ser como as rezas todas desse mundo.







 

 



                                 perspectiva



Chora a criança sem berço,

sem futuro,

a desgraça de ter nascido. 


                E lá se vai mais um verão.

          Pródigo em amores vãos.


Mundo cruel. Mundo sujo.

Feliz é o caramujo.


              A realidade se revela

             a cada mudança de perspectiva.


Este vazio

é como ter partido

sem ter ido.


           



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