quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025


                               puta velha




Nada acaba quando termina.

Vivemos de esperar o que não chega.

O que nos antecede vive burilando o coração

sem tê-lo.

Não há pressa na delicada praxis dos afetos.

Saneadas de calma e de luz, as histórias se repetem

sem acabar, revestidas

das mesmas incertezas e angústias.


Começo, meio e fim.

Antes, durante e depois.

Entre o princípio e o epílogo,

tudo se ajusta e desconjumina.

A vida é uma puta velha 

em traje de gala.





domingo, 9 de fevereiro de 2025




semeadura






Nossas dores são algemas incrustadas de feridas catatônicas. 

Nossos amores contam seus passos envoltos em trapos amorfos.

O que há para fazer salvo viver como se não houvesse

outra vida ?

Incógnito, o coração indomável cavalga hipocampos de trânsfuga.

O presente, um halo da eternidade, se agarra ao póstumo acerbo 

de potestades. 

Sonhos drenados repartem os silogismos do abandono

em ligas de tungstênio. 

No horizonte precário do existir, passam com atraso os cortejos

mancos das elegias.


Meus olhos transformam tempestades em escamas, como

um rio que bebe as nuvens.

Me defendo das imposturas da fé deixando para trás 

a inconsútil fratura da alma.

Livre da falsa auréola das virtudes, mijo bazófias politeístas. 

Não sou nem sombra do que fui, mas meu sêmen cansado 

ainda faz filhos.


 




 


                             o pecado original





De dor a humanidade entende.

Sentir dor, infligir dor, sina recorrente 

de um mundo doente.

De gente que mata, tortura, padece de todos os males, 

que olha com desdenhosa piedade 

o mal que semeia.

É sempre o mesmo ritual macabro que nunca passa,

diante de um deus de pedra que legitima todas

as formas de morte.



Tudo remonta ao pecado original.

Que condenou a humanidade a penar eternamente.

Somos paridos com o mal no coração.

O amor acaba mas o ódio não.

Que o diga os filhos do Tamerlão, do Alcorão.

Proibidos de amar quem não professa 

a mesma religião.


O mal está em toda parte.

Os bons pagam pelos maus.

Destruímos, torturamos, matamos, inocentes 

como crianças que não sabem o que fazem.

"Perdoa, pai, eles não sabem o que fazem", atestou

o Crucificado, fiador de uma doutrina de perdão

que anula o passado. 

De um mundo perverso, pervertido, 

erigido à ferro e fogo,

que não merece ser perdoado.





 



 







 

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

                  

                 último ato




Vem de longe o paradoxo em que me afundo. 

Encurralado no círculo vicioso da vida, me desterro 

do destino traçado pelo livre-arbítrio.

O espelho partido do tempo decifra a máscara definitiva, 

prenhe de insólitos disfarces e provisórias certezas.

Pairando sobre as verdades que umedecem 

a sobrevida sobranceira. 


Meu breviário de desatinos apascenta o coração.

Madureço lúcido, lúdico, 

hóspede do tempo,

passageiro do mundo,

liberto do amor que cresce para dentro.

Que importa se tudo é fugaz ?


Pensamos diferente mas somos os mesmos animais.

Pervagando sufrágios e presságios celestes.

O amanhecer sem futuro perscruta o repentino despertar,

para que o silêncio amoroso acolha

o souvenir das brevidades.

Meu ego em frangalhos encena o último ato nessa terra

que só fez amar-me.

Do bulício do mundo me aparto em paz comigo mesmo.

A solidão, a chuva e os caminhos percorridos ornamentam 

meus últimos passos.

Para assim ser esquecido. 

Como se não tivesse existido.








sexta-feira, 31 de janeiro de 2025



                          o quanto sei de mim




Faço do meu papel o lenho da minha cruz. 

Cavalgo unicórnios a passos lentos,

para que o gozo consentido preencha o dom da alma.

O sonho em busca das asas de Pégaso entretece 

o esplendor da vida.

Quem me sonha impõe seu remorso vagamente triste,

antes de se perder no sonho.


O quanto de mim apequena varandas e alpendres

amolda contornos de ourives, a fim de sugar o sol 

pelas frestas.

Há neste gênio cativo a ira sagrada que o gosto 

gentil da claridade acolhe em suas entranhas.

O quanto sei de mim vive alternando a honra e

a vergonha.

Meu espírito errante amontoa molduras e cátedras,

no afã de salvar-me da veneranda velhice. 



segunda-feira, 20 de janeiro de 2025


                            a noite eterna





a noite eterna chega devagar

a vida passa devagar

até tudo passar

e você de repente acordar

sozinho e impotente

sozinho e doente

sozinho e insignificante.


os últimos grãos da ampulheta escoam

em terna volição

a energia fugindo do corpo

o cansaço de tudo alquebrando o espírito

porque tudo resulta inútil

nada mais importa

missão cumprida ou não.


logo tudo terá desaparecido

e você será aos poucos esquecido

como se não tivesse existido

um grande vazio é só o que permanece.



sábado, 18 de janeiro de 2025


                   a vida de merda



A vida de merda não precisa ser necessariamente 

uma merda. 

A menos que deixemos.

A menos que aceitemos a merda toda com que é preciso

lidar, todo santo dia.

A nossa e a dos outros.

Porque é merda para todo o lado.

Nas ruas, no trabalho, nos lares, nos prazeres.

Ninguém está livre de fazer merda. 

É a vocação humana por excelência. 

Ao enveredarmos pelos caminhos das infâmias,

dos egoísmos, das traições.


É fato que toda a graça, todos os prazeres da vida 

em dado momento desgarram,

num banzeiro de desatinos e ignorâncias.

A vida de merda é pródiga em apelos e artifícios,

faz da trapaça e da mentira o seu modus operandi.

A merda é onipresente, onisciente, estamos familiarizados

com ela desde que nascemos.

Os ricos, os poderosos, os famosos, os formosos, todos 

fazem merda.

A diferença é como processamos esse manancial de cagadas

que já nascemos fadados a fazer.

Porque a vida de merda não precisa ser 

necessariamente uma merda.




 

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