terça-feira, 30 de julho de 2024


                não é só uma questão de querer

                         



 

Não se preocupe demais com o amanhã.

Para falar a verdade, nem mesmo com o dia de hoje.

Porque tudo muda tão rápido, e às vezes nem muda,

que não vale a pena gastar fosfato ( como se dizia antigamente )

com o imutável.

O imutável, senão vejamos : as mesmices do dia-a-dia, 

contas, o trânsito cada vez pior, as questões que não se resolvem, 

e por aí afora.

Adianta se desgastar, se irritar, discutir, passar a vida

se debatendo e remoendo coisas e causas perdidas ?

Não, né, mas e por acaso a gente consegue sair dessa roda-viva,

desse círculo vicioso, mesmo sabendo do mal que isso nos faz ?

Mudar de atitude em relação a hábitos, vícios, anos e anos

de condicionamentos nocivos, requer bem mais do que 

força de vontade.

Ficar cara a cara com a morte, talvez.

Ou a percepção de estar no limiar de tudo perder.



 

domingo, 28 de julho de 2024


                          pense nisso




Fingir que está tudo bem.

Acreditar que as coisas possam melhorar.

Que as pessoas possam mudar.

Ignorar que só te dão valor pelo que podes oferecer.

Supor que há amor e afetos verdadeiros.

É o que a vida requer, em nome da convivência

pacífica, da civilidade, 

e da própria viabilidade das relações.


A vida é um permanente escambo, uma via 

de duas mãos. 

Há que estar consciente de que é dando que se recebe.

Que tudo tem um preço. 

A liberdade é relativa, passa pela nossa capacidade

de negociarmos os termos das demandas existenciais. 


Você sabe,

tudo o que é, podia não ter sido.

Por um detalhezinho qualquer.

Aquela ida ao shopping de bobeira.

Aquele encontro aleatório via redes sociais.

Aquela dose a mais.

Aquela trepada sem camisinha.  

Tudo tem consequências.

Entender essa regrinha básica faz toda a diferença.


Pense nisso.

Depois não adianta chorar pelo leite derramado.







   







sábado, 27 de julho de 2024

                                   

                                    o mal cancerígeno




O que não vês

camufla o mal cancerígeno.

Por onde o fungo expulso fermenta as coisas inacabadas,

garras em riste promulgam o mérito

das leis indigentes.

Outros decidem por nós.

Outros vivem por nós.

Somos meros espectadores da ascensão 

meteórica da ralé.

É o grande milagre do mundo digital.

Em que uns enganam os outros, numa 

grande pirâmide virtual.

Que ninguém sabe onde vai dar.

Eu não danço conforme a música, mas

bem que gostaria.

Para não me sentir tão idiota.

A cultura do lixo pode ser bem elitista.

Há que ter estofo.

Vender o que não existe não é para qualquer um.

Muito menos a ilusão de ficar rico.

Frente ao apelo audiovisual, gosto é o de menos.

Gosta-se por exclusão. 

Tudo está mais aquém e além do que parece.

Mas não me dou por vencido.

O futuro me chama com cara de passado.

Mal comparando, nunca desisti de ser alguém melhor.

Perdoe, amor : nós, poetas, 

somos muito melodramáticos. 






                         causas perdidas





O que nos trouxe até aqui se perdeu 

no fluxo dos enxames.

Fora de nós os interesses em jogo

desmontam o passado.

O que fomos, o que fizemos 

adoece sob a imobilidade das causas perdidas.

O peso sobre os ombros supõe ouvir nereidas.

Aqueles que não sucumbem desistem de si mesmos.

Reduzidos a anelos fúnebres. 


É tempo de amar o impossível.

Entrever no sentimento novo os desejos

sequestrados,

enquanto elefantes sobem nos telhados.

Há que rasgar os manifestos, defenestrar

os incestos,

em prol dos mais ordinários impulsos.

Os planos de redenção remontam a delinquentes

de ofício.

Quando se trata de tirar proveito, é preciso dar

o que a vida pede.

A raiva das línguas faz as honras da casa.

A vontade de fugir se vinga ficando.

Desistir sem sequelas viola a diáspora dos triunfos.

Não há razão para desespero quando a cepa 

do fracasso é a incompreensão.

O enjambement é meu antídoto contra a

mesmice dos enredos.

Desanuviar-me das obrigações é meu ultraleve.

O possível itinerário trânsfuga experimenta 

erros de outra espécie.

Prefiro ficar com os meus, que já conheço.

Agradar todo mundo é a maior das causas perdidas.



 







 




 





sexta-feira, 26 de julho de 2024



                       a verdadeira face





A raiva embute o genoma da verdade.

Quando tudo que está represado, mantido em fogo morno, 

contido, disfarçado, e de repente vem à tona,

você enfim se liberta,

mas também revela sua outra face.

A hedionda face que esconde e com a qual 

se faz passar pelo que não é.


Sim, a raiva pode ser libertadora,

mas no fundo não deixa de exteriorizar 

os seus próprios podres.

A raiva descontrolada e indiscriminada 

aflora o que temos de pior.

Quando nos leva a raspar o fundo do tacho das ofensas, 

e o mais degradante : inventando, invertendo, 

projetando nos outros

nossas próprias mazelas e malignidades.


A raiva, a ira, são parte vital da natureza humana,

e de certa forma inevitáveis.

Inevitáveis e justificáveis, por tratar-se de um sentimento

de proteção e autodefesa.

A própria Bíblia está repleta de passagens sobre 

a ira de Deus.

A diferença está na desordem emocional que estabelece 

o exagero das reações.

Quando a raiva é motivada por ressentimentos, rancor, ódio,

que cegam e nos levam a perder o 

necessário senso de justiça.









"Bem-aventurados os mansos de espírito, porque

é deles o reino dos céus" (Mt 5.5).


                         


                             confissões impuras


Meu espaço engole o tempo, enquanto a íntima verdade 

destoa da realidade.

Ninguém pode ser muito, sob pena de não ser nada.

Quando se trata de ocultar as coisas, o ignorado

explode sem ônus.

A menos que esteja preparado, abstenha-se

de ser feliz. 

Ontem como hoje, o real e o imaginário prometem

mas não cumprem.

Apagar a memória requer confissões impuras, que afloram

em meio a raiva.

Quem se vê acuado confronta os acordos de paz.

Uma escória vale mais que um estado de imundície. 

O corpo gerido macera raízes expostas, para que 

as paisagens camufladas ofusquem a visão.

Os que desistem litigam em causa própria, em desdouro 

do que não se teve.

Eu e você

Você e eu

provamos o luto do que não morreu.

Por nunca ter sido.



terça-feira, 23 de julho de 2024



                          mea culpa




Não entendo nada de nada da vida.

O que aprendi mal dá para o gasto.

Vivi perdido e com a alma em conflito.

Nem me dei conta de como tudo em volta era bonito.


Fiz e aprontei sem medir consequências.

De certa forma nunca cresci.

Não tive juízo nem maturidade.

Quando a conta chegou, já era tarde.


No geral, nunca fui muito esperto.

Tampouco fiel e honesto.

Não consegui acalmar o espírito inquieto.

Talvez tenha sido esse meu maior pecado.


Sei que é tarde para me redimir.

O que ficou para trás não tem conserto.

Tudo o que almejo é seguir altivo até o fim.

Para que ninguém sinta pena de mim.








 



                                        o pior




O pior da morte

é que a vida continua.


O pior de nascer

é não poder voltar atrás.


O pior de amar

é não estar à altura.


O pior de tudo

é que nunca para de piorar.


O pior de não ter para onde ir

é não ter porque ficar.





domingo, 21 de julho de 2024


                        simbiose




Sou um sonhador que sonha

com a simbiose dos momentos perfeitos.

Como se fosse possível ser mais feliz 

do que eu fui.

Pelos amores que tive.

Pelos filhos que tenho.

Pelo coração humanamente compungido

que a tudo e a todos subsiste.


Passeio pelo tempo sem reparos e remorsos.

O que fiz e o que deixei de fazer

se dissipam sem amargura ou rancor.

Não me resguardo nem me esquivo diante

do que a vida me ensinou.

Aprendi a valorizar as coisas que me fizeram diverso

do que um dia fui,

e que tão longe me levaram.

Longe e predestinado a ser feliz.



sábado, 20 de julho de 2024

                      

                       ventres assassinos



A sutil evocação dos pássaros argui a manhã pressurosa.

No fundo do silêncio jaz o louco, o imponderável.

Enquanto transfigura-se o espaço de todos os dogmas.

Nascemos para ruminar a bomba atômica.

Adrede a órbita cega dos ventres assassinos.

Na vida em construção compreende-se o alcance do abstrato.

Surreal como a poesia de Cesar Vallejo, a inspiração

esmaga os testículos aflitos.

Falar com palavras, ai de mim !

Não há mentira que se sustente para sempre.

Sob a aparência de heroica semelhança, deformidades 

revestem-se de beleza inabitável. 

Para que os papéis se invertam e o mundo

desça das estrelas.








                                 começar de novo




Tudo o que finda, de um jeito ou de outro, 

um dia retorna.

Sou o que sou, não me perguntem por que.

Sei que cada instante pode ser o último, mas evito pensar

no inexorável.

Minha fé em Cristo me faz acreditar que sobrevivo

para cumprir tarefas inacabadas. 

Me vejo verdejante, jorrando como uma fonte perdida,

feliz como um bêbado dentro da noite.

Quem sou não importa. Não importa o que passou

nem o que virá. 

Vivo o presente que ergue-se, inocente, para começar

tudo de novo. 

As águas iluminadas se deixam possuir, sedentas.

Assim será a nova vida.

Para colher o que foi esquecido.


Tudo o que finda, de um jeito ou de outro, um dia retorna.

Quando a vontade de chorar chega

e o negro momento do arrependimento arromba

a porta do esquecimento.

O ontem sempre será presente.

Para o ajuste de contas, romper

os calmos vesperais.

As vicissitudes exauridas movem-se em meio

ao gris das fadigas.

Tudo o que finda um dia retorna, quando 

a origem de tudo 

regressa à sua própria origem.






sexta-feira, 19 de julho de 2024

 

                       demência





O frio castiga, o calor fustiga.

Enquanto o povo passa, o frio e o calor

embotam os dias.

Ao meio-dia o boia-fria dorme o sono

dos justos.

A noite ninguém sabe onde tudo começa e termina.

Estagnado no ato, o cortejo das prostitutas inventa

a fundura dos gemidos.

O endiabrado e o ensanguentado se convertem

à luz dos fatos caricatos.

Inversão de valores coabita o nascedouro 

das máquinas sem juízo.

Onde o perdido e o triste abarcam a pontual oratória,

já sem vida, o ovo e o olfato

transformam-se em dinheiro.

O que impede o animal de gozar ?

O gozo espiritual é herege ?

Distrações lunares intercedem a favor dos

anacoretas.

A sede de ignorância é maleável.

Minhas verdades perderam a data de validade.

Nem a tília nem o lilás matam a fome de razão.

A loucura engrandece a demência,

para que a vida afunde, iracunda e banal.





quinta-feira, 18 de julho de 2024



                   molduras vazias





A medida que o tempo passa, as perspectivas 

e expectativas

retroagem alheias às molduras vazias.

Os horizontes se estreitam, em meio a pedaços 

de promessas e memórias.

A fronteira entre o ser e o ter encadeia virtudes

evanescentes. 

No fim das contas, tudo gira em função do dinheiro.

Há que pôr comida na mesa.

Há que suprir, arcar, satisfazer.

Sem o quê não nada somos.

Sem o quê o rio feroz escoa pelo esgoto.

Os abraços reprimidos herdarão o choro dos renegados.

Desmoronam os cacos do presente imunes ao recital

de danos.

Sofremos mas resistimos.

A velha trama arquiteta o cio dos muros, imprudente

e hipocondríaca. 


 






                                   debuxos




O armário implode os requisitos da festa.

O coelho sai da toca sem o suspensório.

Enquanto o sol desce a ladeira, esbaforido. 

Certa vez o verão ficou nuvem, mas não chovia.

Muito tempo se passou desde então.

Não perguntei porque não sabia, era apenas curiosidade

pela demora do carteiro.

Quando, enfim, minha mãe se desvencilhou de mim,

era para não ter voltado, aliás, acho que não voltei.

Ao menos nunca mais ninguém me viu

daquele jeito.

Fazia calor, eu me lembro, havia muito mosquito

e vagalumes à noite. 

E eu era sonâmbulo, uma vez mijei nas cortinas de veludo

da minha tia, e acordei numa cama que não era minha.

Quis muito ser triste mas não consegui.

Quis muito ser jogador de futebol mas não consegui.

Alguém ainda escreve cartas ? 




 




terça-feira, 16 de julho de 2024



                   o amor não tem idade, nem juízo





O amor não tem idade,

é o que se diz.

Juízo, muito menos.

E quem sou eu para duvidar ?


Logo eu

que do amor tantas vezes desdenhei,

ei-lo que desponta,

em plena madureza,

para me humilhar.

E glorificar.


Pois que assim seja, que desta vez,

sem receio nem pejo,

não serei tolo de ignorar 

o que a vida tem de mais belo.


Sim, o amor não tem idade,

floresce a qualquer tempo e dispensa

formalidades. 

Tudo o que requer é ser correspondido.

Às vezes nem isso.

Quando o amor acontece, o juízo desaparece.




 



segunda-feira, 15 de julho de 2024



                     o busílis





O busílis é que a gente está sempre querendo 

que a vida 

seja o que não é. 

Incluindo as pessoas.

Principalmente as pessoas.

Até parece que não aprendemos nada com o tempo.

Que o que une, separa.

Que ninguém deveria querer tanto.

Para não se decepcionar.

Ninguém merece estar num pedestal.

Muito menos num altar.

Exceto Cristo, mas a que preço...


Todo o possível aspira a farsa.

Desejo e esquecimento

se diluem em monólogos não cumpridos.

O futuro é um tiro no escuro.

A dourada existência é um mito acalorado e violento.

A violência de cada dia abantesma revoltados e ludibriados.

Jazigos recheados de vida procriam flores vazias.

Sem casa e sem asas, os filhos do logro

esquecem quem eram.

Para ter o que não podem.



 





domingo, 14 de julho de 2024



                        o porto

    



Os guindastes do porto se movem

como letárgicos dinossauros.

Caminhões fazem fila nos pátios imensos,

numa procissão que se repete religiosamente.

Containers e mais containers de insumos de toda natureza

são carregados e desovados

por navios de todas as bandeiras.


O maior porto da América do Sul fervilha.

Tudo é superlativo, gigante, nos quase vinte quilômetros

de seus terminais.

O trabalho é ininterrupto. Dia e noite os estivadores

se revezam na árdua tarefa de carga e descarga.

Já foram em bem maior número e o trabalho

mais estafante e perigoso.

Hoje os sofisticados equipamentos e guindastes

dão conta do mais pesado.

Mas, mesmo assim, são eles que dão vida ao porto,

como um exército de formigas

que mantém tudo funcionando.



  

sábado, 13 de julho de 2024

                                      

                no reverso das bocas




A beleza estagnada

Fendido pelo muro 

Desmorona o abismo

A ira como única testemunha.


O lixo da vida

Desfila distraído

Não queiras o que não vê

Cala e espera

Mãos incendiárias

Jazem ao léu.


O quão lúbrico pode ser o sol ?

O medo carpe amanheceres escarlates

Irmãos engalfinham-se

No reverso das bocas

Nada mais específico

Do que a palavra herética.





Coisas invisíveis atazanam o espírito.

Desejos lascivos procriam feito ratazanas.

A noite deflete o sono das trevas.

O medo exsuda frontispícios de luz. 







Cerca de mim

o amor medra. 

Sangue do meu sangue

não me renega.









O amor chegou tão de mansinho,

na ponta dos pés,

que quando me dei conta,

já havia passado.




                                                      a dureza do mundo





Muito tempo se passou

desde que me perdi 

pela primeira vez. 

Ainda hoje

tento me achar.


             De onde estou, já não posso voltar.

             Nem quero.


Como sobrevivi a tantos enganos ?

Renomeando-os.


                A farsa do amor só é redimível

                com o nascimento de um filho. 


Esbate-se em mim

a dureza do mundo.

               

               Por mais que eu tenha mudado,

               nada muda o fato 

               de que sou uma fraude.

               Não fiz nada direito.

               Fui omisso e covarde.

               Acordei para a vida muito tarde.

               Algoz de mim mesmo,

               tive mais sorte que juízo.

               Saber finalmente quem sou

               é meu prêmio de consolação.

               


quinta-feira, 11 de julho de 2024


                               nação de nibelungos



Aqui e alhures, 

gesta-se burgos de nibelungos. 

Emoções coaguladas envelhecem por dentro,

à luz dos escombros cotidianos.

A força imaterial das escaramuças dispersa

o povo exangue.

O ermo aspira e sacia-se da lucidez que aniquila.

Refestelamo-nos, cansados de recriar as estórias 

sob o mesmo alvitre.

O alento que infunde o gemido da linguagem 

presume a dor e a cria.

O surdo clamor da justiça mantém-se em rancoroso

desdém, enquanto o galope louco dos dias

urde as mesmas máscaras e presságios.

Herdamos o futuro que se esgarça

iluminado de sombras.

Não há esperança para uma nação de nibelungos. 



terça-feira, 9 de julho de 2024




Minhas mãos estão frias.

Meus pés estão gelados. 

O frio aquece minha alma penada.




                                         relógio quebrado




A paisagem diz-me coisas incorrigíveis.

Vento e enxárcias se confundem e se fundem

em singela cumplicidade.

Andei, andei, até a lonjura brincar de ausência.

Tudo o que perdi paira como um amoroso 

conclave de lembranças.

Onde vivi a paisagem depura-se.

Cruel como um relógio quebrado.



domingo, 7 de julho de 2024



                suja e sem memória




Exima-se da vida que remexe as feridas.

Da vida que consome e fustiga.

Que de ódio e ira se irriga.

Em conformidade com o abismo e o pélago 

das diatribes.

Tão cauta e docemente cruel que atravessa 

os limites do tempo. 

De forma a perpetuar o pervertido, o prazer

de ferir.


Exima-se da vida proficiente em álcool, 

drogas, truculência.

Exímia em embustes e luxúria sem moratória.

Reinventada suja e sem memória.

Para glória do Pai Eterno.


 


                            ai de quem





Ai de quem reclama da vida de barriga cheia.

Faz jus a uma bela caganeira.


Ai de quem inveja e sacaneia.

Pois nunca sairá da merda.


Ai de quem joga sujo e trapaceia.

Acaba sem eira nem beira.





                     a última casca

                  ( ou o amor temporão)






O amor nunca acaba.

Mesmo quando acaba.

Enquanto há vida,

de um jeito ou de outro, 

o amor sempre se renova.

Nunca morre,

apenas muda de casca.


Digo-o porque amei e fui amado.

Fui feliz e desenganado.

A ponto de me endurecer o coração maltratado.

Mas eis que quando já mais nada esperava,

cansado e desiludido,

o amor ressurge gigante

da forma mais sublime e cativante.

Como só o amor por um filho pode ser.


Pois bem-vindo seja, meu novo 

e definitivo amor.

Que a vida te retribua a incomparável

felicidade que vieste me proporcionar.

Esteja certo de que mais que uma simples

casca,

é de uma armadura que este amor temporão

se reveste.







sábado, 6 de julho de 2024



                     o futuro é breve e sombrio





Em vão o cosmos articula  

o sangrento pacto com o desconhecido.

A realidade de fogo destrói o mundo postulado

pelo mistério de existir.

Um  homem morto na cruz resplende à clâmide 

da ciência austera e calma.

Úmida raiva verte lágrimas ardentes.

Quando, ao pé do Criador, o horror fecunda

as vigílias sem fim.


Fuga e pó cobrem o zênite malsinados dos horizontes.

Tudo fenece sob a paz estrelar do universo.

Em cada ríspida mudez, a fúria lasciva e louca

blasfema o amor.

A despeito da eterna luta da sobrevivência,

nascemos para incendiar as florestas e sujar os mares.

O futuro é breve e sombrio.


 




sexta-feira, 5 de julho de 2024



                                                    a beleza nunca morre





o que fazer das certezas que hoje

já não tenho ? 

o que fazer com tudo em que acreditava,

e que agora jaz em sono macio e terrível ?

onde foram parar os sonhos, a beleza crismada

da juventude extraviada ?

qual o destino do que já não é eterno ?


são tantas perguntas sem respostas

que aos poucos todos se igualam na desdita.

até os mais fortes se ajoelham

ante a maldição perene das desgraças.

só há paz na solidão dos cemitérios.

só há paz na libertação dos efêmeros prazeres.

só há paz nas coisas mais simples.

como toda matéria em movimento, 

a beleza nunca morre, apenas se esconde,

se transmuta.

os dias escuros iluminam os espíritos atormentados,

para que a fraqueza se transforme em heroísmo.

para que a monotonia atroz dos dias que não passam

perfume os caminhos mais solitários e vazios.



segunda-feira, 1 de julho de 2024



              chegar é o mesmo que partir





É preciso viver além da vida para perscrutar 

os hemisférios da alma.

A fim de que o pó se decomponha em antimatéria.

E o findar da mísera farsa possa resolver-se, a despeito 

do mutismo exaltado dos claustros.

Que estranho instante-luz é este que revive 

a urdidura do querer subjacente ?

É precisamente impossível prever o momento

em que o carrossel da vida desanda.

Pessoas e estrelas se olham, desapontadas.

O mundo antigo enche a mansa manhã de vazios.

Distraídos, amor e luto vestem o mesmo corpo.

A força do querer abarca a amplidão que desencaminha.

Tudo se funde em partes sangrentas, tédio escuro perpetua

o desespero humano.

Acreditamos, vagamente surpreendidos, que amar é divino,

enquanto arranca do mais fundo a tua pureza.

Com a porta aberta e o coração partido, chegar é o mesmo

que partir.






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