Deve-se perdoar quem nunca pediu perdão ?
Deve-se desculpar quem nunca se desculpa ?
Deve-se amar quem não sabe retribuir ?
Deve-se ser bom com quem não merece ?
Que apreço merece o ingrato, o egoísta, o narcisista,
o sociopata ?
remoendo silêncios
Tudo se cumpre ao sabor dos acasos e descuidos.
Tudo o que tenho, o que faço ou fiz,
vive se equilibrando
remoendo silêncios
colhendo rosas de fogo
compondo cenas de amor que pedem bis.
Busca-me um instante de calma
em meio as escaramuças e paroxismos de praxe.
Na vida sem justiça, sem amor,
sonha-me o refúgio dos pássaros,
a paz dos muros de cercas eletrificadas.
Busca-me o que restou de mim
entre canteiros de aprazíveis oferendas.
Regozija-me o vago transitar das coisas fungíveis.
o canto do cisne
Perdi o amor verdadeiro algumas vezes.
Hoje me contento com qualquer quebra-galho.
Nunca estive pronto para amar.
Sempre pus tudo a perder.
Todo amor que dei
me fez mais mal do que bem.
Agora não me arrisco mais.
A menos que encontre alguém que sofra
por mim.
Meu coração cansou de sofrência.
Depus as armas da beleza.
Foi-se o tempo de escrever poesia, das bebedeiras,
dos rompantes.
Hoje quero paz e calmaria.
Amargo meu calvário amoroso
como um santo devasso.
Enquanto ensaio meu canto do cisne.
Às vezes me pego
pensando nela.
Sem querer, querendo.
Porque as lembranças de um
grande amor
com o tempo superam a raiva.
A longo prazo tudo arrefece.
Amor e ódio.
Ódio e amor.
Forças antagônicas que se misturam,
acabam se neutralizando.
E o que sobra é um misto de mágoa
e melancolia que
não consta no dicionário.
Desde que te perdi, minha vida é uma janela
para o nada.
De onde me refaço contemplando
o inexistente.
Meus dias, feras enjauladas, tateiam a superfície
dos sonhos desfeitos.
A nova realidade se redescobre pouco a pouco,
entre iluminuras e novos afetos.
Precisei desaprender tudo o que sei
de mim, para refazer meu caminho.
O mesmo caminho, porém com um novo jeito
de andar.
Mais precavido e perto dos meus longes.
fogo amigo
Dor que não dói
Fogo que não queima
Querer que não satisfaz
Fome que não sacia
Vontade que não passa
Sempre querendo mais e mais.
Cansaço que não cansa
Doçura que não enjoa
Paz que não acalma
Saber que não basta
Apego que não esmorece
Sempre querendo mais e mais.
Desejo que não evola
Gostar que não se controla
Sonho que canta em voz alta
De tudo é capaz
Deslumbrado e corrosivo
Desconhece limites
Cuida, maltrata,
faz e desfaz
Sempre querendo mais e mais.
Remédio sem bula
Ultrapassa a beleza
Trapaceia com a sorte
Costuma ser lindo enquanto dura
Mas também um inferno quando acaba.
Amar é para os fortes.
amor sem disfarce
A gente já devia saber,
mas estamos sempre pagando para ver.
A busca pela felicidade é infinita e sem esperança.
Ah, quantas vezes os desejos
que a alma precisa e a vida nega,
passam como o voo de um pássaro.
Ligeiro, incerto, abscôndito.
Te amar me alegra e me entristece.
Por não ter nada além de tão pouco.
Desolado por nunca ter tido um amor
sem disfarce.
Gosto do teu jeito arrevesado.
Do teu ar melancólico e reticente.
Que me faz querer protegê-la,
abraçar como se abraça uma criança.
Gosto do teu jeito de falar, de andar, de sorrir.
Gosto de te ver quanto te vestes,
e mais ainda quando te despes.
Que é quando te tenho
como se fosse só minha.
o esplendor dos dias felizes
A imaginação nos engana, nos trai.
Mas o que seria da vida
se não pudéssemos imaginar, sonhar ?
Olhar para dentro de si
e ver outro mundo, além da realidade.
Feito de devaneios e encantamentos, à beira da loucura.
Orbitando entre a graça e a beleza,
cortejando o certo e o incerto.
Que se arrisca num embate com a razão.
Para que o que habita o coração,
não se perca em vão.
Ah, a imaginação e seus insondáveis arbítrios.
A cada fase da vida reverbera.
Arde em desejos proibidos.
Submerge e ressurge entre ir ou ficar.
Entre amar e desamar.
No núcleo do ser, entre a euforia e a fadiga,
mistura-se ao mundo numa entrega de sonhos.
Regendo incontáveis sinfonias.
O esplendor dos dias felizes.
os sinais advertem
A hora da verdade sempre chega.
Os sinais advertem.
O amor engana.
Com o tempo, ou vira amizade,
e tudo sobrepuja,
ou vira a coisa mais suja.
Risonho, amargo, triste,
refaz a trajetória
no vai e vem dos semblantes.
Usurpando o germe da beleza.
Com o rabo entre as pernas.
Sinais de cansaço com o tempo
afloram aqui e ali.
Ninguém está livre nem imune.
Quando se faz concessões demais,
achando que vão reconhecer,
fique certo,
nenhuma boa ação
fica impune.
metamorfoses
Nada mais difícil do que ver o mundo
pelos olhos dos outros.
Medir, sentir, sopesar sob o mesmo prisma.
Arguir silêncios e astúcias.
Absorver toda forma de vida como se fosse única,
una, unívoca.
Entender as razões alheias, por mais absurdas
e estapafúrdias.
A fim de elaborar um entendimento exato e seco.
Ver o mundo pelos olhos dos outros.
Para entender seus motivos.
Para ser múltiplo e indivisível.
Abrangente no presente inconcluso.
Complacente no passado impreciso.
Sobranceiro como um corpo de baile.
De dentro, por dentro, as palavras sem ventre
inventam o lusco-fusco da noite,
as bordas dos penhascos,
os cascos surdos
de todas as coisas que habitam a véspera.
Que doce alento o inexistente abriga ?
A transparência dos dias segrega os recessos da vida.
Inoculada de secretas possessões.
O aparato sem sofisticação de acontecimentos inadiáveis
engendra a gênese das palavras.
Tudo se perde e se desfaz na roda-viva da convivência.
Metamorfoses são sempre bem-vindas.
Para que possamos ver o mundo pelos olhos dos outros.
Deve-se perdoar quem nunca pediu perdão ? Deve-se desculpar quem nunca se desculpa ? Deve-se amar quem não sabe retribuir ? Deve-se ser bom ...